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Grande é o Marão

O facto que passamos a narrar consumou-se num cálido fim de tarde, precisamente no dia do Senhor da Serra…

Mandava a tradição que durante a noite e a madrugada que antecedem o dia dos festejos, as rusgas, provenientes das mais distantes povoações dos concelhos limítrofes, trepassem até à capelinha, erigida nas alturas do Marão, cantando e dançando, uns levando cravos, outros dádivas em dinheiro ou ouro.

Para os romeiros, o ponto mais alto era – continua a ser -, assistir ao nascimento do Astro-Rei. Espectáculo ímpar, inesquecível, maravilhoso!…

E se é certo que «nada é novo debaixo do Sol», aqui, porém, há o deslumbramento, o êxtase, o arrebatamento. É como nascer para o mundo, com olhos de espanto, e a sofreguidão de quem respira em sideral espaço.

As rusgas calcorreavam os toscos «caminhos de cabras» que conduziam à Serra do Marão (agora servida de óptimas estradas alcatroadas), dançando e cantando a «Chula Rebela», dança genuinamente duriense, jóia ímpar, riquíssima quanto ao número de figuras e valiosa pela dificuldade dos passos. Esta dança por si só resume o esforço do homem da beira-rio, que fez do remo a enxada e do barco o lagar, cavando em terra fértil, mas duríssima.

Dobram-se os peitos, pés num trocadilho complicado e salto final a fazer estremecer o duro e xistoso chão da montanha. Depois, em fila indiana, tudo volta a serenar, com o homem de novo a dominar situação, por momentos interrompida pela mulher insubmissa.

A «Chula Rebela» é, de facto, uma resultante da Natureza, a um tempo fértil e severa, brusca sempre, até quando, à flor dos desfiladeiros, o Douro apareça, em labaredas de água, pelo Inverno, ou, sequioso e febril como um soluço, pelo Verão…

O acto consumou-se já quando a tarde morria, naquele abrasador mês de Junho, dia do Senhor da Serra.

O Rancho, apesar de exausto pela penosa jornada, parou para exibir, uma vez mais, a sua dança-chave – a Chula.

Tuínha, grandalhão, de largas espáduas, mas de maus fígados, mordido pelo ciúme, lançou-se, de navalha de ponta-e-mola, sobre Lúcio, rapaz baixote, mas entroncado, trabalhador e amigo do seu amigo. Foi talvez por isso e por que os homens não se medem aos palmos, que Laurinha o escolheu para seu futuro companheiro, desprezando as arremetidas de Tuínha, aliás, mal visto junto dos seus conterrâneos. Não aceitando de bom grado a derrota, sempre que podia, provocava o bom do Lúcio, que se limitava a encolher os ombros e a retorquir aos amigos, que lhe recomendavam cuidado:

– Grande é o Marão!…

Pois o diabo do homem, com uns copos no bucho e envinagrado pelo ciúme, não aguentou ver a «sua» Laurinha dançar alegremente com o rival e lançou-se sobre ele de navalha em riste. Lúcio, porém, era dos valentes. Desviou o golpe traiçoeiro, sacou dum varapau, que sabia manejar como ninguém e, com num golpe certeiro, deitou-o por terra.

Passados que foram os momentos de pânico, o rancho retomou a Chula, em toda a sua plenitude, continuando o convívio pela noite dentro.

Tuínha, esse, acabou por receber a lição que o povo, na sua imensa sabedoria, vinha sentenciando e que Lúcio soube, com mestria, exemplificar:

«Grande é o Marão… mas não dá palha nem grão»…

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