De que está à procura ?

Colunistas

Pai, o que é o fascismo?

Foi mais o menos a meio da quarta classe que Balthasar testemunhou uma das maiores transformações do seu país, dos últimos 48 anos. A revolução do 25 de abril de 1974. Lembra-se bem desse dia, muito embora ele não tivesse o mesmo significado para si, como tinha para os adultos à sua volta. Sabia que algo estava a mudar no país nesse dia, ouvia os comentários, os zuns, zuns, a maneira quase grave como as pessoas iam falando nas primeiras horas do acontecimento, o contentamento de uns e o medo de outros, a vozearia geral acerca do que estava a acontecer ao país, e entre mais uma caneca de vinho que ajudava a clarear as vozes dos clientes, lá na tasca do seu pai, se ia percebendo que as mudanças eram profundas, e como profundas que eram, pior o país não podia ficar, por isso, dizia a maioria dos clientes da tasca, afogueados pela boa qualidade do tinto, e a magnifica voz de Zeca Afonso, que agora sim, agora é que isto vai para a frente.

E de facto até foi. As mudanças começaram a ser visíveis a cada dia que passava. Pessoas como o temível professor de fato preto, chapéu preto de abas largas, quase que se foram extinguindo à medida que os anos iam passando. E, naquela altura, os pais de Balthasar que tinham um negócio de mercearia e tasca, também eles, com o tempo sentiram as transformações que o país ia sofrendo, sendo que este sofrer aqui é dito no bom sentido da palavra. Eles que antes do 25 de abril de 1974, eram os únicos lá do lugar a terem uma televisão, ali ajuntavam a clientela, que seria o útil, aos programas televisivos, tão apreciados por todos, como o Euro festival da canção, Nicolau no país das maravilhas, os jogos do Benfica, as comemorações do 13 de maio em Fátima, entre outros, sendo estes, o agradável. E depois, aqueles que antes vinham à tasca do Sr. António beber umas canecas de vinho, enquanto viam a magia do Eusébio na televisão, e as esposas faziam a despesa do mês na mercearia do outro lado da porta que a separava da tasca, essas pessoas continuaram a vir, mas as esposas deixaram de ter um motivo, uma desculpa se assim quisermos, para vir com eles, fazendo a despesa a horas mais convenientes, porque agora, quase todos tinham um aparelho televisivo, deixando de ser uma exclusividade do Sr. António, que mesmo assim não perdeu clientes com esta nova realidade.

E foi na televisão que Balthasar ouviu a melhor explicação, para a definição do fascismo, que se podia dar ao geral da população, a maior parte dada a poucas intelectualidades, fruto de uma ditadura que durou tempo de mais infelizmente. A explicação tinha uma mensagem simples e direta.

Sentados em redor da mesa, em silêncio, jantava uma família composta pelo pai, a mãe, e o filho com pouco mais de 10 anos de idade. Quebrando o silêncio, precisamente o tipo de coisa que uma criança faz, e muito bem, o filho virando-se para o pai, perguntou…

– Ó pai, o que é o fascismo?

Distante nos seus pensamentos, provavelmente a contas com as suas preocupações, o pai fingiu que nada ouviu, e nada respondeu.

O filho, uma vez mais cumprindo o seu papel de criança, teimosamente voltou a repisar…

– Ó pai, o que é o fascismo…?

Uma vez mais o pai o ignorou. Teimoso como a mosca que mil vezes enxotada dá uma volta no ar e regressa novamente ao mesmo sítio, o filho repisou uma vez mais…

– Pai, o que é o fascismo…?

Cansado da insistência do filho, o pai respondeu…

– Come e Cala-te.

Que outras palavras poderiam melhor definir o fascismo? Come e cala-te. Qualquer que seja a explicação, por muito que de filosofias e idealismos ela esteja carregada, às pessoas simples, dá-se-lhes uma explicação simples.

Percebendo a mudança que o país estava a atravessar, mesmo não a sentindo com a mesma intensidade do que aqueles que a estavam a viver e a desfrutar, porque foram vítimas de um pesadelo que para muitos, em muitos casos durou quase uma vida, vítimas do regime que os oprimiu e ofuscou, também, tal como o país, Balthasar fechava um capítulo da sua vida, a experiência da escola primaria por assim dizer, que à exceção do último ano, tinha sido um caminho tortuoso de trilhar. A passagem para o ciclo preparatório era o inicio de uma outra fase da sua vida que tal como o país depois da revolução, era completamente novo, e de certa maneira diferente, mesmo não sabendo ainda muito bem o que o esperava, a ele, e ao país.

(excerto do capítulo 2)

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA