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A estátua

– Vieram plantar aqui, no centro da aldeia, a cabeça esculpida em bronze, de um homem que nunca fez nada pela terra – opinou o Zé Pinto.

– O Amadeu singrou em Lisboa. Começou numa modesta barbearia, chegou a “Fígaro” privativo dum primeiro-ministro e, segundo consta, progrediu de tal forma nas várias profissões que escolheu ao longo da vida, que ficou rico!

– Ora toma! -, acrescentou o seu amigo de infância, Daniel, que tinha agoirado para o “Seca”, como era tratado na escola, um futuro sem perspectivas, ou seja, uns cortes de cabelo e umas escanhoadelas, a uma clientela que interrompia o trabalho do campo para, ali mesmo, cabeça encostada à parede, deixar o pêlo espalhado pela brisa da manhã…

– Afinal, quem mandou pôr ali o “retornado”, se morreu em Lisboa e nem sequer aqui foi sepultado?

– Boa pergunta – respondeu Daniel, que estudava na capital e vinha todos os anos gozar férias à aldeia.

– Não te disseram na escola que um homem morto, às vezes vale mais do que em vida? Camões, por exemplo, só depois de se passar é que foi glorificado…

– Isso não sei. Nem fiz a 3ª e ninguém me falou desse tal Camões, nem no homem cuja cabeça aqui veio parar.

– Pois fica sabendo que se o puseram ali é porque há alguma razão para isso…

A explicação veio mais tarde pela voz do Daniel: Amadeu fora um autodidacta, bem sucedido. Aprendeu um pouco de tudo. Subiu a pulso e foi construindo a sua fortuna, sem tempo para regressar à terra que o viu nascer.

Naquela manhã, após a missa dominical, não se falava noutra coisa.

– Quem é esse tal Amadeu?

– Sei lá! Dizem que é filho do Piparote, que saiu daqui há anos. Deixou a terra e só deu notícias depois de morto…

– Depois de morto?

É verdade. Mas, nos momentos de solidão, sobretudo quando, nas longas madrugadas, dava voltas na cama, recordando a sua infância, os pais e os amigos que há muito cá deixara, nunca deixou de estar presente.

À medida que o tempo avançava, no seu coração foi crescendo a vontade de compensar a sua ausência. Solteiro, sem família próxima, tomou a iniciativa de doar toda a fortuna à aldeia natal, para ser aplicada em iniciativas de interesse comunitário.

Fez questão, no entanto, que o seu nome só fosse pronunciado no dia da inauguração dos melhoramentos projectados.

O procurador que iria executar o testamento mandou fazer o seu busto e colocou-o no local que lhe pareceu mais representativo, mantendo o sigilo pedido.

– Fica sabendo que o Amadeu passou a ser o homem mais ilustre da terra. Assim, de repente, fez jus ao lugar de destaque que ocupa. E vais ver que o seu nome vai ser recordado e respeitado -, garantiu Daniel.

– Para já, o largo passou a chamar-se praça Amadeu Gaudêncio. Depois, vem aí a nova escola primária, a casa da banda, sede do grupo cultural, o novo fontenário com chafariz, um…

Zé Pinto interrompeu-o:

– Chega, chega, agora já sei quem é o Amadeu Gaudêncio. Todos sabem!

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