O maior problema para a polícia de emigração foi eu ter conseguido chegar ao Gana, quando por norma, a companhia aérea nem me deveria ter deixado embarcar.
Tinha conseguido entrar num país sem visto e sem carta de convite.
Sou levado para o posto de polícia de emigração do aeroporto onde me mandam sentar ao lado dum nigeriano que está algemado. Olha à minha volta e é só fotografias de fugitivos nas paredes e uma carrada de algemas. Depois de me interrogarem sou levado numa carrinha à meia noite para o posto de emigração da capital. Entro numa sala e sou novamente questionado com uma data de perguntas.
Sem comida e sem água, tenho de passar a noite num cubículo minúsculo.
Conclusão, no dia seguinte vou ser deportado de volta para Portugal.
Acordo cedo e tornam-me a levar para o posto de polícia do aeroporto.
Conformado com a ideia, já nem ligo nenhuma e até me vou rindo com os polícias. Queriam saber tudo sobre mim e quando dei por mim lá estavam eles todos no youtube a ver vídeos meus a tocar piano com o coro das Ninfas do Lis.
E do nada algo acontece de bom para mim. O voo de volta para Istambul estava cheio. Pago uma multa, carimbam-me o passaporte e lá me deixam entrar finalmente em solo africano.
Compro uma bicicleta, preparo tudo e lá vou eu cheio de força e com mais vontade ainda.
Como já tinha feito uma viagem bastante similar há uns anos atrás,desde o Senegal à Guiné-Bissau, sabia que seria melhor levar alguma comida e bastante água.
Admito que o dois primeiros dias foram bastante complicados. Tendo já um dia de atraso por ter sido preso, teria que pedalar muito mais, mas nada ajudava, desde o peso que carregava na bicicleta ao calor insuportável. Estavam quase 40 graus.
Todo o caminho desde o Gana ao Togo é feito ao longo da costa. Há quilómetros a fio onde não há uma única árvore. Apenas areia, mar e muitos pescadores ao longo da costa.
A comida é bastante escassa e quando finalmente encontro uma barraca que vende comida, acabo por não comprar por esta ter um aspeto horrível. Vou me alimentando de algumas latas de atum e de pão que tinha comprado na capital antes de partir.
Pedalava que nem um louco e começava a ter algumas dores musculares. Acabei por nem desfrutar dos dois primeiros dias por querer chegar o mais rápido possível ao Togo.
Quase a ficar de noite, chego a uma aldeia e encontro uma casa que aluga quartos por 3 euros.
Estava completamente exausto, sem forças nenhumas e sentia que a qualquer momento iria desmaiar de cansaço por ter exagerado a pedalar.
O quarto era abafado, sem ventilação e não tinha qualquer casa de banho. Trouxeram-me um balde com água para eu poder tomar um banho.
Cá fora, as pessoas dançavam e cantavam ao som de djembês. Gostei imenso de ver, mas admito que nunca pensei que isto iria continuar durante horas. Fui para o quarto para tentar dormir e todo aquele barulho incomodava-me. Já passava da meia noite e eles continuavam a festejar. Creio ter sido das poucas vezes onde a música me incomodou profundamente.
No dia seguinte acordo às 5 da manhã para recuperar o tempo perdido.
Depois de algumas horas a pedalar, paro numa aldeia para comer qualquer coisa. Procuro uma sombra para descansar e há uma rapariga e um rapaz que se aproximam, querendo saber o que estou ali a fazer. Pergunto se posso encontrar algo para comer, mas a resposta era não.
Perguntam-me o que eu gostaria de comer, ao qual eu respondo frango. Qual o meu espanto, quando passado uma hora chega a rapariga, com frango e massa que tinha cozinhado para mim em sua casa.
Convidam-me a entrar na loja do irmão e a comida é servida. Passado um minuto, o irmão diz-me que tenho de casar com ela por esta ter cozinhado para mim. Vou-me rindo e tento não dar muita importância ao casamento.
Há um momento em que a rapariga não estava a olhar para mim e observo-a atentamente de cima a baixo.
Será que ela é a minha “Julieta”?
Ela não era feia de cara. Tinha cabelo curto e um tanto ou pouco avantajada de corpo. Mas quando reparo nas pernas dela assustei-me. Ela tinha mais pelos nas pernas do que eu.
O “Romeu“ que havia em mim tinha ido por água abaixo e só pensava num plano de fuga.
Ao invés da obra de “Romeu e Julieta “ de Shakespeare, a família Capuleto ansiava por uma união com os Montéquio, mas o Romeu só queria fugir.
Sentindo-me um pouco incomodado por insistirem no casamento, agradeci pela comida e saio para fumar um último cigarro antes de seguir viagem.
Quando olho para o lado está a rapariga a mandar vir comigo por eu estar a fumar. Já falava em filhos e tudo. Fiquei a pensar, se ela não me é nada e já é assim, casar com a “Julieta“ do Gana seria um desastre não para a família Montéquio, mas para mim.
Ignorando este casamento forçado, pego na bicicleta e pedalo até chegar finalmente à fronteira do Togo.