O meu vizinho é carpinteiro
Algibebe de Dona Morte.
Ponteia e cose, o dia inteiro,
Fatos de pau de toda a sorte
Mogno, debruados de veludo
Flandres gentil, pinho do Norte.
“Só”, de António Nobre
Alberto dos Caixões era um homem bom. E mesmo quando a morte de alguém lhe denegria a alma e lhe perturbava a boa disposição, era a ele que competia alinhavar o “fato” de mais um que partia para a derradeira viagem.
Isso acontecia a cada passo e quando menos se esperava.
De repente os sinos dobravam dlam-dlam-dlam a anunciar a despedida de mais um amigo para a tal viagem sem regresso.
Prontamente, lá comparecia o nosso “alfaiate”, atacando rapidamente e em força, como convém em tais circunstâncias, para preparar a respectiva fatiota.
– É como todas as coisas!…- comentava sempre que chegava a casa de um amigo, agora na horizontal, com o fim humanitário de consolar a família dorida.
– É como todas as coisas!…- repetia, enquanto tirava as medidas: tanto de comprimento, tanto de largura, etc. e tal.
Já na carpintaria, escolhia a melhor madeira para os mais íntimos, companheiros das patuscadas e dos copos, que recordava com amargurada angústia.
Aplainava, forrava, punha tudo num brinquinho.
A sua grande preocupação era que ao morto nada faltasse quanto a comodidade pois que, para o encomendar a Deus, lá estava o padre Sidónio, com o latim do costume.
O tio Alberto dos Caixões era um homem bom.
E nas mornas tardes de verão, quando o sol se escondia por detrás da montanha, meio sombria meio iluminada, ia beberricando mais uns copitos e comentando com os seus botões o que esperava as gentes daquela bela aldeia de Resende.
E, apesar dos setenta bem puxados e do árduo trabalho do dia-a-dia, continuava disposto a ajudar os amigos, sobretudo em momentos tão dolorosos e definitivos.
Alberto dos Caixões era assim. Franco, leal, homem bom. Sonhava mesmo com um mundo colorido, cheio de contornos, com mares e cidades distantes.
Era um regalo vê-lo estender, sobre a velha e suja mesa de castanho, manchada de vinho e broa, o mapa-mundo, e a viajar pelo universo, num avançar sem fronteiras, sem problemas linguísticos:
– Aqui fica o Nepal! Neve não falta! Nesta ponta da “bota” deve ser bom por causa das italianas. Bem, nós por cá também temos boas cachopas.
– É como todas as coisas!..