De que está à procura ?

Colunistas

Olhar sobre as comunidades portuguesas e os desafios a Oriente

A presença portuguesa a leste do Canal do Suez é uma herança de séculos de exploração e expansão marítima que moldaram as relações entre Portugal e os países do Oriente. Este ano comemoram-se o 101.º aniversário da primeira rota aérea entre Portugal e Macau e também as múltiplas paragens de escala que os nossos heróis aviadores Brito Paes, Sarmento Beires e Manuel Gouveia empreenderam no relacionamento bilateral entre Portugal e os respectivos países a caminho do Oriente. As comunidades portuguesas nesta região possuem uma importância estratégica, não apenas como legado histórico, mas também como pontes de ligação entre Portugal e os estados de acolhimento, num mundo onde a instabilidade e as ameaças se tornaram constantes, mas é hoje na Ásia onde se concentra o centro de gravidade da economia mundial.

As comunidades portuguesas no Oriente

As comunidades portuguesas no Oriente, desde o Estreito de Ormuz até Macau e outras regiões influenciadas pela presença lusa, desempenham um papel único estabelecido por Dom Afonso de Albuquerque nos laços de lealdades locais a partir dos casamentos entre portugueses e as nativas, e fez surgir os novos portugueses, miscigenados, logo geneticamente modificados para melhor se adaptarem às novas geografias, climas, cultura e redes sociais locais. Estas comunidades, algumas das mais antigas diásporas do mundo, são testemunhos vivos da história e exercem um impacto significativo na cultura, economia e diplomacia local e regional, e na Ásia tornaram-se parte integrante das superiores elites locais na ligação entre o Ocidente e o Oriente. Embora muitas destas comunidades enfrentem desafios também associados ao envelhecimento populacional ou até certa diluição, continuam a ser fontes de informação privilegiada sobre os contextos políticos, sociais e económicos sobre os países de acolhimento, diria, pois, são um tipo de portugueses feitos de uma matéria radioactiva que sem necessitar de grande atenção durante séculos, a qualquer momento estão prontos, disponíveis e activos ao chamamento de Portugal.
Estas “matérias activas” naturais, capazes de captar mudanças subtis nos ambientes onde estão inseridas, tornam-se ativos valiosos para a política externa portuguesa e para a formulação de estratégias de segurança e defesa. No entanto, estão também expostas a vulnerabilidades crescentes, que vão desde o aumento da xenofobia, anti-ocidentalismo até à instabilidade geopolítica que caracteriza a região.

Política externa portuguesa e o papel do Oriente

Portugal tem historicamente mantido um equilíbrio diplomático, favorecendo uma abordagem multilateral no contexto daNATO, da União Europeia, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) até ao Fórum para a Cooperação entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum de Macau). Contudo, a atenção às regiões orientais tem registado altos e baixos, dependendo de fatores económicos, estratégicos e essencialmente das lideranças políticas que têm maior ou menor conhecimento de causa e visão estratégica de longo prazo. A tradição diplomática portuguesa desde há muito que assentava no seguinte gesto, observar primeiro a reacção de Londres e só então decidir consoante o nosso português interesse nacional, isto porque Londres tinha e tem ainda muito interesse instalado na Ásia e à volta do globo, e assim como Portugal.

O Oriente, com as suas dinâmicas complexas, é uma zona onde os interesses portugueses podem ser ampliados. As comunidades portuguesas na região oferecem oportunidades de diálogo e cooperação, funcionando como interlocutores culturais e económicos. Países como os do Médio Oriente, a Índia, a Tailândia, Singapura, Malásia, a China, a Coreia, o Japão, a Indonésia, as Filipinas, Timor-Leste até à Austrália são exemplos de locais onde as relações bilaterais podem ser reforçadas, aproveitando as ligações históricas e culturais, mas também para ganhar mercados, criar riqueza na lógica mercantil, reconhecendo no entanto que as comunidades portuguesas em si espalhadas à volta do globo são um mercado em si.

Todas estas paragens além de pertencerem a uma esfera regional bastante próspera e dinâmica à face do planeta são igualmente actores chave nos diálogos sobre os latentes desafios de segurança e defesa regionais, diga-se de passagem, em elevadíssima tensão onde mais uma vez as comunidades portuguesas se encontram exactamente na primeira linha dos perigos, das ameaças.

Defesa e segurança nacional

No plano da Defesa e da Segurança, Portugal enfrenta o desafio de proteger os seus interesses nacionais numa era de ameaças assimétricas, como ciberataques, terrorismo e desastres naturais. A proteção das comunidades no estrangeiro é um pilar da política de segurança nacional, exigindo uma abordagem coordenada entre a diplomacia, a inteligência e as forças armadas.
As comunidades portuguesas no Oriente estão particularmente expostas a crises regionais, como tensões fronteiriças, terrorismo, instabilidade económica ou de nacionalismos anti-ocidentais. Estas situações exigem uma vigilância constante e uma capacidade de resposta rápida por parte do Estado português, em colaboração com parceiros locais e internacionais. Quantas evacuações de portugueses no estrangeiro realizadas pelas Forças Armadas Portuguesas já assistimos no espaço de um ano? A Defesa nunca poderá ser olhada como o parente pobre, pois sem segurança não há economia, há que reinvestir na Defesa e a disciplina e grau de prontidão dos militares fazem corar de vergonha a muitos dos decisores políticos, ou simplesmente políticos, e respeito máximo exige-se a todo um Corpo disposto a sacrificar as suas próprias vidas se necessário para a defesa da Pátria.

“Adivinhar perigos e evitá-los”

A recolha e análise de informações estratégicas são fundamentais para antecipar riscos e mitigar ameaças no nosso mundo actual. As comunidades portuguesas desempenham aqui um papel crucial, fornecendo insights valiosos sobre as dinâmicas locais. Esta capacidade de recolher “intelligence cultural” pode ser uma vantagem competitiva para Portugal no cenário internacional. No entanto, é necessário garantir que esta recolha de informações seja acompanhada por medidas de proteção e apoio às comunidades, para evitar que estas sejam vistas como ferramentas de ingerência externa pelos países de acolhimento. Aliás, caberá igualmente ao Estado português criar e manter canais abertos oficiais para comunicação e troca de informações, numa perspectiva de imersão e aprofundamento de conhecimento locais e não de mera gestão de mais um posto no exterior ou exílio dourado. Para quando voltar a nomear o Adido de Defesa de Portugal junto da Embaixada de Portugal em Pequim? Até hoje o primeiro e último Adido de Defesa de Portugal na China foi o Capitão de Mar-e-Guerra Vítor Mendes Saraiva (2015-2019).

Das vulnerabilidades às constantes linhas de força das comunidades portuguesas

Num mundo cada vez mais instável, as comunidades portuguesas enfrentam vulnerabilidades que vão desde a falta de recursos consulares e na alargada rede externa incluindo as delegações das AICEPs até à exposição a crises políticas e económicas nos países onde residem. Por outro lado, estas comunidades são depositárias de uma resiliência notável, construída ao longo de séculos de adaptação e sobrevivência em contextos adversos, feitos da tal matéria nacional radioactiva. E é assim que na Ásia sempre se confundiu Portugalidade com Cristianismo e Cristianismo com Portugalidade, e nunca será pelo domínio da língua que se medirá estatisticamente o grau de portuguesismo, de patriotismo português pois tudo se processa via uma profunda herança da portugalidade espiritual.
As suas redes de solidariedade, cultura e conhecimento local são ativos inestimáveis para Portugal. Estas verdadeiras “antenas” de informação e influência podem ser fortalecidas através de programas de apoio governamental, bem como pela criação de mecanismos multilaterais que protejam os seus direitos e promovam a sua integração e maior ligação à Pátria Portuguesa. Muitas vezes nem se trata de matéria financeira, mas tão simplesmente respeito pelos portugueses da Ásia, de Portugal não enviar malandragem mas sim autênticos nobres servidores do Estado e prestar atenção sobre quem durante séculos e décadas se bate por Portugal assentando apenas na premissa tão antiga como “A Pátria Honrai que a Pátria vos Contempla”.

Do regresso de Portugal e dos portugueses às ásias

A projeção de Portugal a leste do Suez requer uma abordagem estratégica que reconheça a importância das suas comunidades no Oriente. Estas comunidades, apesar das vulnerabilidades, representam uma riqueza resiliente e inestimável para a política externa, a segurança e a identidade nacional. Investir nelas e protegê-las é garantir não só a continuidade de um legado histórico da presença da “Raça Portuguesa” que o mundo todo abarca e nada aperta, mas também a relevância de Portugal num mundo cada vez mais globalizado e instável.

Nos próximos artigos irei discorrer sobre a presença dos Portugueses nas várias paragens do Suez até às Ilhas do Pacífico. Toda esta epopeia só está a ser possível porque Portugal nasceu em 1143 primeiro como Estado e só depois veio a nação, permitindo um feito único, os Portugueses são originariamente universalistas ainda antes de ser imperialistas parafraseando o último Governador de Macau, General Vasco Joaquim Rocha Vieira, e assim concluímos que o nacionalismo português é aquele que tem em si um abraço armilar, que assimila novas culturas e faz delas as portuguesas, incorporando de síntese em síntese, novas sínteses culturais, tornando-as parte de Portugal. Ousando dizer no sentido cultural e espiritualmente Portugal é do tamanho do mundo assim como os Portugueses no mundo são gigantes na dimensão espiritual e da acção.

Vitório Rosário Cardoso
Presidente do Núcleo China da Liga dos Combatentes
Ex-Secretário Pessoal do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA