De que está à procura ?

Comunidades

O homem que levou a gastronomia portuguesa a Miami

Mesmo sem ter muitos portugueses, “Miami é boa cidade para ter negócios”, garante Carlos Silva, que ali chegou em 1991, quatro anos anos depois de aterrar pela primeira vez em solo americano. O acaso levou-o numa viagem de ida e volta, mas rapidamente a vida trocou-lhe as voltas e o que devia ser temporário tornou-se uma nova realidade. Hoje dono de três restaurantes em que os sabores portugueses são reis, ainda com sociedade na empresa de apoio a velhinhos que fundou e ainda levando por diante uma companhia que garante serviços de babysitting a 110 hotéis da Florida, diz ao Diário de Notícias que está contente com o que conquistou desde que deixou Guimarães para tirar Marketing nos Estados Unidos.

Ainda com a pronúncia do norte a marcar-lhe as frases entrecortadas por anglicismos, conta-me que chegou às Américas em 1987, “num programa de intercâmbio promovido pelo Rotary Club (para miúdos do secundário) e a D. Eunice, que estava na organização, é que foi responsável” por esta volta que deu na sua vida. “Estava eu na tropa em Penafiel – era chofer do comandante, por isso tinha tempo de sobra para ler e apaixonei-me pelo marketing -, quando ela foi visitar-nos e me convenceu de que se eu queria estudar nessa área os Estados Unidos eram o sítio para estar. Eu disse-lhe que, se fosse para um estado onde fizesse calor, até ia, mas nem dei muita importância àquilo até receber em casa, passados uns meses, uma carta de aceitação da Universidade de St. Thomas.”

Tinha 21 anos, e mudava-se de armas e bagagens para fazer o curso. A ideia era voltar de seguida, mas então apareceu um estágio de seis meses na Visa que se prolongou por quatro anos – “foi na altura em que o crédito no Brasil estava a explodir e eu tinha a vantagem de falar português e foram-me pedindo para ficar com aquele pelouro do desenvolvimento de negócio na América no Sul”.

Porque nas veias tem o sangue do pai, que “tinha uma empresa de materiais de construção e abriu escritórios pela Europa inteira”, por essa altura já fundara, “com um amigo que era social worker”, a empresa de assistência à terceira idade – mais uma vez, seguindo o conselho avisado de Eunice, que conhecia bem o potencial da Florida. Houve ainda um tempo em que também criou uma revista, com distribuição para todos os Estados Unidos (durou de março de 2001 até ao final de 2003). “Ganhei dois prémios com a Ageing with Style, o de melhor revista, pela Florida Magazine Association, e o de best redesign magazine. Começou como guia para uma feira que organizei com dezenas de expositores e depois decidi torná-la trimestral, dirigida ao mercado dos baby boomers, mais maduro mas que queria desfrutar e ter qualidade de vida. Eu não percebia nada de revistas, mas disse sempre que não queria nada negativo, palavras como velhice, doença ou cancro estavam proibidas. Era uma publicação positiva, de lifestyle, com entrevistas a pessoas ativas, como a Debbie Reynolds e o Leslie Nielson… Ainda tenho as capas todas autografadas no escritório. Mas aquilo custava muito dinheiro e pela periodicidade não tinha economia de escala.”

E enquanto continuava de um lado para o outro ao serviço da Visa, ainda conseguiu tempo para começar a investir em restaurantes. “A primeira vez que aqui vim, isto era muito pequenino e ainda nem tinha aberto”, conta-me à mesa do Old Lisbon de Coral Way, bem perto de Little Havana. “Eu vivia aqui perto e vim à farmácia aqui à frente quando reparei nisto e acabei por me sentar com os donos a comer um bacalhauzinho. Passei a ir lá muito e quando um dos três sócios saiu, perguntaram-me se eu queria entrar não no restaurante mas num mercadito que queriam fazer aqui perto.” A dimensão do negócio não o convenceu, mas acabou por ceder quando o restaurante entrou na equação. “Nessa altura, isto era pequeno e não tinha grande ambiente, com um chão horrível, cortinas encarnadas, e fazia 20 mil dólares por mês.”

Foi mudando uma coisa aqui, outra ali, depois o segundo sócio voltou para Portugal e, resumindo a história, no último ano da década de 1990 Carlos deixava a Visa para tomar conta do restaurante que já era só seu e inscreveu-se num MBA para garantir uma gestão absolutamente profissional. Nessa altura, trouxe chefs de Portugal e virou a casa do avesso. Onze anos mais tarde, um incêndio ditaria a renovação completa, com azulejos nas paredes, fado a tocar e um alargamento com direito a mercado de produtos portugueses no Old Lisbon original. “Agora, este faz uns 200 mil dólares por mês.” Diz “este”, porque também já deixou a marca em South Miami (2013) e em Sunny Isles (2016), além de ter ainda um italiano – porventura um símbolo de reconhecimento ao país onde, no verão de 1992, conheceu a mulher. “Ela é venezuelana e vive em Miami desde os 7 anos, mas conhecemo-nos lá, num programa de study board.”

Para desgosto da mãe, que entretanto via o segundo filho seguir o irmão mais velho de Guimarães para Miami (há ainda uma terceira irmã, mais nova), os negócios, o casamento e os filhos – o mais velho a fazer o último ano de investimentos imobiliários na Universidade do Texas, a do meio a estudar pedopsiquiatria em Washington e a mais nova já no liceu – tornavam altamente improvável o regresso de Carlos. Então, fez um ultimato: um dos dois tinha de voltar a Portugal para tratar dos negócios da família, o grupo Abel Ribeiro da Silva – “mas ligou ao meu irmão”, diz, a rir-se, “estamos sempre a lembrar-nos disso”.

Projetos para abrir mais restaurantes, tem-nos sempre na cabeça – “estive a ver um local em Fort Lauderdale, mas ainda não decidi”, confessa. Mas neste momento a expansão passa por outros planos: o lançamento de produtos de marca própria. Além de estar a testar um azeite, já tem vinho com o rótulo Old Lisbon – o tinto reserva e o branco vêm de uma quinta que tem ótimos Douros, o verde da Quinta dos Ingleses e ainda há um rosé. “E vou ter bolinhos, chouriço, pastéis de nata, bacalhau de marca própria, etc., para vender aqui no mercado, mas também online e para distribuidores, porque a marca já tem essa força.”

Com muitos clientes cubanos, colombianos e americanos – alguns deles célebres -, mas sobretudo brasileiros, o negócio corre sobre rodas e o Old Lisbon passou a ser quase uma embaixada do país. “Gosto que isto seja uma maneira de apresentar a nossa cultura a outros países. E os brasileiros gostam de vir experimentar os pratos portugueses, ver os chefs a cozinhar, porque temos a cozinha aberta, provar os vinhos; e gastam dinheiro à vontade.” Por ali por Coral Way, diz que passam uns quatro mil clientes por mês, outros tantos pelo restaurante de Sunny Isles e outros três mil pelo de South Miami. “É muita gente a ter contacto com a nossa cultura.” Vê-se bem que Carlos nunca se desligou do seu país – onde aliás volta todos os verões e natais, à sua casa da Póvoa de Varzim. E é também em Portugal que escolhe o bacalhau, as sardinhas, o azeite e todos os produtos que serve.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA