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Luciana Fávero: o teatro da reflexão

Ao lado do diretor Gustavo Paso, seu marido, a atriz Luciana Fávero fundou, em 2000, no Rio de Janeiro, a Cia Epigenia, cuja preocupação tem sido levar ao público montagens teatrais que não busquem o mero entretenimento e sim despertem a capacidade de reflexão de seu público. Acredita na função social, política e educativa do teatro e critica os desajustes das leis de incentivo à cultura que, muitas vezes, privilegiam produções nas quais apenas o apelo comercial é colocado em pauta.

Quando o despertar para o teatro?

Na escola, por volta dos 14 anos, os trabalhos de literatura eu preferia realizá-los através da encenação, em vez da escrita. Isso foi fortalecendo e fui estimulada pelos elogios de amigos, professores e meus pais. Surpreendentemente, por minha segurança de estar num palco também, pois sempre fui tímida.

Pode nos contar um pouco sobre sua formação teatral e os primeiros anos de trajetória nos palcos?

Não cheguei a fazer faculdade, fiz muitos cursos, até porque tudo sempre foi muito difícil, eu tinha que trabalhar para pagar as contas e sempre estava com alguma peça em cartaz. Desde os 17 anos trabalho profissionalmente. Participei de algumas companhias de teatro em São Paulo e há 15 anos tenho a minha companhia e produtora cultural , fundada no Rio de Janeiro, junto com meu sócio e marido Gustavo Paso. Hoje, estou com 40 anos, destes, há 24 me dedico totalmente às artes. Foram 18 espetáculos, vários comerciais, duas novelas, um filme e inúmeras produções.

Como se deu a criação da Cia Teatro Epigenia?

Veio do meu desejo de realizar um trabalho autoral. E quando conheci o diretor Gustavo Paso nos unimos para realizar projetos inéditos e especiais, que você não encontra a toda hora. Então, se queríamos viver à base de projetos conceituados, precisaríamos criá-los.

Este ano a Epigenia, sua companhia de teatro, comemora 18 anos. Que momentos mais marcantes merecem ser relembrados?

Temos muitos. O espetáculo Ariano, com texto inédito sobre a vida e obra de Ariano Suassuna, viajou pelo Brasil e teve uma apresentação dentro da igreja onde Suassuna fez sua primeira comunhão, em Taperoá, Sertão do Cariri. Garagem , com texto do Gustavo Paso, era um projeto absurdamente impossível, mas realizamos no Shopping Rio Sul, no Rio, num espaço de 1300 m², com 18 atores, dez carros de verdade em cena e com nosso querido Miele. Realmente, tem coisa na vida que não suspeitamos que iremos viver. Tenha certeza que esses dois exemplos são só pilulas desses anos de teatro.

Com é manter viva uma companhia de teatro que trabalha longe do apelo meramente comercial?

Não temos dúvida nenhuma de que se no nosso país existisse meritocracia, nossa arte já teria nos dado um pouco de tranquilidade (entenda-se normalidade) para criar nossos filhos. Mas o certo é que há desequilíbrio de patrocínios, privilegiando projetos que tenham vertente para o entretenimento. Isso causa um prejuízo enorme para a cultura do país, desvirtuando a verdadeira função do teatro, que eu acredito social, política e educacional. Tem que ter espaço para as várias vertentes, mas isso está muito desequilibrado. Não conseguimos entender como pode um país desse tamanho, com tanta gente incrível criando, não ter espaço ou o menor apoio para tantas companhias de teatro. Isso deveria ser interesse do estado. Mas aí entraremos em outras esferas, para discutir a política cultural, que é tão importante, a meu ver, quanto saúde e educação.

O que dizer das leis de incentivo à cultura? Elas têm cumprido seu papel?

Não, se você pensar que dados mostram que 85% dos projetos patrocinados em 2014 foram musicais. Acho que tudo deve ter espaço, mas estamos muito desequilibrados. As pessoas saem do teatro e pouco discutem sobre o que viram. Não há espaço para o pensamento, para a reflexão. O interesse está na grandiosidade, na imagem. Se os espetáculos com textos mais instigantes acontecem, é porque temos artistas que lutam por isso, raramente com patrocínio. Não interessa à maioria dos gerentes de marketing discutir as relações humanas, contestar a situação política, educacional. Enfim, quanto menos falar, melhor. Ou se falar, usar muitas luzes, figurinos espalhafatosos e tudo mais que possa disfarçar, diluir o objetivo. É um show! Teatro para mim representa um lugar mais profundo. Em Oleanna, por exemplo, realizamos debates depois das apresentações. Foram mais de 100 debates com participação de 95% da plateia. Todos gostam de qualidade, seja de imagem, seja de ideias, de conceitos. Dê qualidade e você terá publico, de tragédia a comédia. Mas todos deveriam ter direito ao patrocínio, porque, de fato, com tudo inflacionado, não dá para pagar uma produção e esperar o retorno da bilheteria para recuperá-la.

Oleanna, do dramaturgo norte-americano David Mamet, um dos maiores sucessos da Cia Epigenia, aborda com notável maestria a manipulação e o jogo de poder. Será este o motivo da identificação imediata que o público tem com a peça?

Assim como Mamet, outros autores têm peças contundentes e que podem contribuir muito para discussões em nossa cultura. Para você ter uma ideia, Oleanna foi escrita em 1992, quando nos Estados Unidos falava-se intensamente no politicamente correto e no assédio sexual. Portanto, há mais de 20 anos. Hoje, no Brasil, nada é mais citado do que o politicamente correto. A peça fala sobre muitas coisas, mas nada é tão contundente quanto essa “novidade” brasileira, pois a montagem que houve em 1998, com o Antonio Fagundes, não teve a repercussão que estamos tendo hoje, porque agora estamos vivenciando as questões de que ela trata e precisamos urgentemente discuti-las.

Ser uma atriz eminentemente de teatro foi uma opção ou a televisão e o cinema que temos não valem a pena?

Teatro foi a vertente em que iniciei, onde me encontrei e me formei como artista, onde busco todas as respostas e que me enlouquece com tantas dúvidas e perguntas (rs). Mas hoje tenho muita vontade de caminhar mais por outras vias, como a televisão e o cinema. O bom dos anos todos com a Cia Epigenia é que pude escolher as peças que queria fazer, de acordo com o que tinha vontade de falar, de questionar, de estudar. Enfim, a produção te dá liberdade para decidir o rumo de tudo. Mas, agora, quero parar um pouco de conduzir tudo e fazer novos trabalhos, através de outras perspectivas.

A produção de nossos dramaturgos contemporâneos tem dado conta do recado?

Gosto muito dos autores nacionais contemporâneos, mas acho que precisamos de mais apoio para que eles possam produzir teatro e não sejam absorvidos pela televisão. Todo mundo busca segurança para viver. Se o teatro lhe dá pouco, você naturalmente procurará algo que lhe dê mais. Um autor não faz peças como um diretor ou um ator. Mas há alguns autores que estão superfaturando seus textos também. Se são muito bem pagos por uma produção patrocinada, estabelecem esse seu valor para qualquer outra realidade. Às vezes, falta equilíbrio e bom senso.

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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