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Libertado português que estava detido sem acusação na Guiné Equatorial

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O empresário português Nuno Pimentel, detido sem acusação na Guiné Equatorial desde há quase um mês, foi libertado esta terça-feira, mediante termo de identidade e residência e apresentação periódica às autoridades.

Nuno Filipe Medeiros Pimentel foi levado no passado dia 09 de dezembro de um hotel da capital do país, Malabo, e conduzido por três homens – um dos quais Justino Nchama Ondo, diretor-geral das Obras Públicas do país e sobrinho do Presidente, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo – a uma residência privada, onde relatou ter sido espancado, e em seguida levado para uma esquadra de polícia em Luba, uma pequena cidade a cerca de 50 quilómetros do local do sequestro, onde ficou detido sem acusação a maior parte do tempo.

Nuno Pimentel foi levado de Luba para uma prisão nas dependências do Ministério da Segurança, conhecida como ‘Guantánamo’, na passada quinta-feira, onde foi chamado a relatar pessoalmente o seu caso ao ministro titular da pasta, Nicolás Obama Nchama, assim como ao diretor-geral da Polícia Nacional, Miguel Ndong Obiang Omomono, e a mais cerca de dez oficiais superiores da polícia equato-guineense, de acordo com o próprio.

Não obstante o relato do caso às autoridades equato-guineenses, e a garantia pessoal do diretor-geral da Polícia Nacional, Miguel Ndong, de que o seu caso iria ter “desenvolvimentos” nos dias seguintes, Pimentel ficou detido e apenas libertado ao final desta terça-feira.

“Expliquei o caso todo, a tortura, terem-me sequestrado, tudo o que me fizeram, os maus tratos, tudo. Ter estado ilegal numa esquadra em Luba. Expliquei também que o Governo me deve [350 milhões de francos cfa (cerca de 535 mil euros)], o dinheiro do barco e de várias coisas, que não me pagam, disse tudo”, contou Nuno Pimentel.

Esta terça-feira, o empresário foi chamado a comparecer num tribunal de Malabo e foi libertado, tendo sido aplicadas as medidas de coação de termo de identidade e residência e de apresentação ao tribunal duas vezes por semana.

“Porque é que vou estar a comparecer duas vezes por semana num tribunal, que delito cometi? Quem cometeu um crime foram eles contra mim. Eles é que me torturaram, eles é que me sequestraram, eles é que me roubaram o telefone, eles é que roubaram um carro de minha casa, eu não fiz nada”, queixou-se Pimentel à Lusa.

“O advogado está a insistir para ser informado [sobre a justificação da medida de coação], nada nos passam, nada nos dizem”, acrescentou Pimentel.

Por outro lado, a mulher de Nuno Pimentel, Reina Pimentel, cidadã equato-guineense, foi detida na quinta-feira da semana passada, e ainda não libertada, por uma alegada falta de pagamento de um aluguer de um veículo.

“Aproveitaram e detiveram também a minha esposa. Por um aluguer de um carro, quando nem eu nem ela podíamos levantar dinheiro para pagar porque eu estava detido. Passou o ano novo presa, pode dizer-se ‘sequestrada’. Não há qualquer razão que justifique a detenção, há uma queixa sobre o pagamento de parte de um aluguer de uma viatura. É incrível a corrupção que acontece na administração deste país”, relatou.

O caso de Nuno Pimentel envolve o diretor-geral equato-guineense das Obras Públicas, Justino Nchama Ondo, sobrinho do Presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, e filho de Armengol Ondo Nguema, irmão mais novo do chefe de Estado, durante muitos anos seu chefe da segurança e considerado o homem mais influente do regime.

No dia 09 de dezembro, Justino Nchama Ondo “sequestrou” o empresário português, com o apoio de dois homens, num hotel em Malabo, de acordo com o texto de uma queixa de Pimentel ao Tribunal de Primeira Instância e Instrução de Luba no passado dia 23, consultada pela Lusa.

Nessa queixa, Pimentel relata que foi “torturado”, tendo-lhe sido infligidas “lesões graves”, e levado para Luba, onde foi deixado na esquadra principal local. O empresário apresentou provas médicas das agressões a que foi sujeito, comprovadas por uma médica do Hospital Jorge Gori, em Luba, assim como fotografias de extensos hematomas nas costas e coxas, a que a Lusa também teve acesso.

Nuno Pimentel solicitou nessa queixa ao tribunal de Luba a “detenção e acusação dos presumíveis culpados dos delitos” descritos na peça judicial – Justino Nchama Ondo, Felipe Esono Owondo e Roberto Nve -, e ainda do comissário que dirige a esquadra principal de Luba.

Segundo a organização Associação Internacional contra a Corrupção (IAAC, na sigla em inglês), o empresário português está a ser submetido a “atos de tortura” por “se recusar a ceder às solicitações de corrupção e pagamento de ‘impostos revolucionários’” por altos quadros da administração equato-guineense.

A organização não-governamental (ONG) de combate à corrupção com sede em Paris é presidida por Joaquinito Maria Alogo de Obono, neto do Presidente equato-guineense, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo.

De acordo com Alogo de Obono, advogado especializado em direito internacional e professor na Universidade de Paris X, que denunciou o caso em declarações à Lusa, Nuno Pimental está a ser alvo de “extorsão” num processo de corrupção “clássico e muito conhecido na Guiné Equatorial”.

A vida de Nuno Pimentel na Guiné Equatorial começou a complicar-se, segundo o neto de Teodoro Obiang – que expôs o caso a várias instituições internacionais e instâncias diplomáticas – quando no final de 2021 tentou adquirir um navio entregue à sucata pelo Estado equato-guineense.

Já depois de Nuno Pimentel pagar o valor pedido pelo navio (cerca de 534 mil euros), o ministro dos Transportes, Rufino Ovono Ondo Engonga, evocou “irregularidades” na empresa do empresário português, Tropikal Services, S.L., e exigiu-lhe mais 150 milhões de francos cfa (cerca de 229 mil euros) como condição para libertar o navio.

Nuno Pimentel recusou pagar e queixou-se à Presidência do país, que em carta enviada ao seu membro do Governo em 27 de janeiro o instou a “suspender a reclamação exercida contra a Tropikal Services S.L. exigindo um montante adicional ‘post’ contrato de 150 milhões de francos cfa”, por “ser um procedimento ilegal e contra a normativa jurídica em vigor”.

O ministro denunciou o contrato com Nuno Pimentel e vendeu o navio a um investidor nigeriano, de acordo com o empresário português, que desde então reclama, sem sucesso, a devolução dos 350 milhões de francos cfa depositados na Tesouraria Geral do Estado em dezembro de 2021.

A carta dirigida a Teodoro Obiang “foi o maior erro” de Nuno Pimentel, na opinião do presidente da IAAC. Desde então, o empresário foi espancado e detido diversas vezes, incluindo numa das prisões com pior reputação em todo o mundo, conhecida como ‘Black Beach’, em Malabo.

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