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Investigadores do Técnico descobrem nova família de feixes de luz

Quase toda a gente já interagiu, pelo menos uma vez, com brinquedos que contêm molas, mas ao fazê-lo estariam muito longe de imaginar que a própria luz também pode ter a forma. Uma equipa internacional de investigadores, liderada por Marco Piccardo, atual Professor no Departamento de Física do Instituto Superior Técnico e Investigador Principal no Instituto de Engenharia de Microsistemas e Nanotecnologias (INESC MN) e antigo investigador do Instituto Italiano de Tecnologia (IIT), combinou óptica ultrarrápida e luz estruturada para sintetizar, em laboratório, uma nova família de feixes de luz espaço-temporais, conhecidas precisamente como molas de luz (light springs).

Este trabalho foi realizado em colaboração entre o IIT, o Politecnico di Milano e o Técnico Lisboa e contou também com o contributo de Jorge Vieira (Técnico / Instituto de Plasmas de Fusão Nuclear – IPFN). A descoberta tem um potencial disruptivo para aplicações em fotónica que recorrem a luz com estruturas complexas, tais como microscopia ultrarrápida (que permite obter filmes de nano-estruturas tais como moléculas e vírus), aceleração de partículas em plasmas, e comunicações ópticas no espaço livre (por exemplo, atmosfera). Os resultados deste trabalho foram publicados na revista Nature Photonics, a mais prestigiada nesta área.

“Este trabalho resulta numa nova família de feixes de luz com estruturas complexas no espaço e no tempo, que evoluem a escalas de tempo ultracurtas, de apenas alguns femtosegundos, e com uma estrutura espacial amplamente adaptável”, afirma Marco Piccardo. “A descoberta abre oportunidades sem precedentes em fotónica, permitindo manipular uma vasta gama de componentes espectrais e estruturais”.

Em óptica ultrarrápida é possível reduzir ou aumentar a duração de impulsos ópticos extremamente curtos – com apenas alguns femtosegundos, ou milésimos de bilionésimos de segundo – ou mesmo moldar a estrutura interna desses impulsos. A ideia subjacente a esse princípio é que os impulsos laser curtos são compostos por uma grande gama de cores. Os cientistas dividem o impulso nas suas diversas cores, que são depois manipuladas e recombinadas separadamente, originando um impulso com uma forma diferente. Embora esta tecnologia permita manipular o perfil temporal de um impulso luminoso, existe também um conjunto de técnicas adicionais – designadas manipulação de frente de onda – que permitem moldar a sua estrutura espacial. E hoje possível combinar esses dois métodos para manipular a luz no espaço e no tempo em simultâneo, unificando a óptica ultrarrápida e a luz estruturada para aplicações totalmente novas.

No artigo agora publicado em Nature Photonics, Piccardo e seus colaboradores introduziram um novo paradigma na manipulação de impulsos de luz no espaço e no tempo. Ao contrário das técnicas convencionais, que permitem isolar as diferentes cores num feixe de luz incidente ao longo de uma linha, os investigadores usaram um dispositivo especial – uma rede de difracção com simetria circular – para espalhar as cores ao longo de uma circunferência, tal como um arco-íris redondo. Esta experiência pode ser realizada por qualquer pessoa, em casa: uma fotografia da imagem criada por uma lanterna apontada a um CD-ROM também capturará um arco-íris redondo. A ideia da experiência agora publicada substitui a lanterna por um impulso de laser ultracurto e o CD-ROM por um dispositivo micro-estruturado, produzido numa sala limpa de nano-fabricação. A segunda parte da experiência consiste em usar hologramas avançados para estruturar as várias cores da luz sob a forma vórtices ópticos, uma forma semelhante a um saca-rolhas.

A natureza destes novos feixes de luz, caracterizados por uma banda de frequências muito extensa, coloca novos desafios à sua caracterização. A equipa superou estas dificuldades através do desenvolvimento de uma poderosa técnica de reconstrução chamada holografia hiper-espectral, que resulta numa tomografia completa das complexas estruturas espaço-temporais.

“A nossa técnica, que combina holografia com espectroscopia de Fourier, permite a caracterização completa do perfil espaço-temporal de feixes de luz complexos, permitindo aplicações radicalmente novas recorrendo a interação entre a luz e a matéria”, diz Giulio Cerullo, professor do Politecnico di Milano e co-autor do estudo.

A equipa de cientistas demonstrou a possibilidade de controlar a luz com uma precisão sem precedentes, algo possibilitado pelo desenvolvimento do seu novo dispositivo de manipulação de luz no espaço e no tempo, que permitiu combinar diferentes propriedades da luz. Um filme ilustra de uma forma cativante a “dança” de duas molas de luz que se movimentam juntas no espaço e no tempo.

“Apercebemo-nos de que estes feixes aportam física extremamente interessante, que poderá levar a uma geração completamente nova de aceleradores compactos e fontes de luz em plasmas. Esta técnica e muito excitante porque promete trazer estes conceitos teóricos para o laboratório e desencadear avanços espetaculares na física da interacção entre lasers e plasmas”, refere Jorge Vieira, Professor no Técnico e co-autor deste estudo.

Agora que é finalmente possível sintetizar estas fontes de luz com total liberdade no laboratório, o próximo passo natural será trazê-las para experiências em plasmas. “Este é um grande desafio, mas as capacidades de fabricação nano-fotónica do INESC MN em Lisboa e os excelentes grupos de investigação em física dos plasmas do Técnico são o ecossistema ideal para concretizar com sucesso este objetivo científico altamente ambicioso”, segundo Piccardo. “A combinação destes sofisticados feixes de luz, com estruturas espaço-temporais complexas, a alta intensidade, e na presença de interações não lineares entre a luz e a matéria poderá ter importantes implicações fundamentais e tecnológicas.”

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