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Gustavo Gasparani: o teatro em sua completude

Dramaturgo, diretor, ator, produtor e professor de teatro, o carioca e mangueirense desde sempre Gustavo Gasparani participou, no final dos anos 80, da fundação da Cia dos Atores, com a qual percorreu a França, Rússia, Espanha, Argentina, Porto Rico, Colômbia e Estados Unidos, recebendo importantes prêmios do teatro nacional, como Shell, APCA, Molière, Mambembe, APTR e Qualidade Brasil.

É autor de Otelo da Mangueira, Opereta Carioca, Oui, Oui…a França é Aqui!!! A Revista do Ano, As Mimosas da Praça Tiradentes, Zeca Pagodinho – A Saga de um Herói Suburbano, Samba Futebol Clube, Gilberto Gil – Aquele Abraço, Sambra – 100 Anos de Samba, Bem Sertanejo e Romeu e Julieta ao Som de Marisa Monte.

Na televisão, esteve nas minisséries Anos Dourados e Dalva e Herivelto; nas novelas, em Geração Brasil, Sítio do Picapau Amarelo e Cheias de Charme, além de vários episódios de A Grande Família e Casos e Acasos. No cinema, em Orfeu, Uma Bela Noite para Voar, O Xangô de Baker Street, Orquestra de Meninos, Bufo e Spallanzani e Divinas Divas.

Dirigiu e roteirizou os shows Nosso Samba Tá na Rua, de Beth Carvalho, Arco do Tempo, de Soraya Ravenle e Raízes da Portela, com Paulinho da Viola, Marisa Monte, Monarco e Teresa Cristina. De 2007 a 2016 foi o diretor do Prêmio Estandarte de Ouro, do jornal O Globo.

Quando a descoberta do teatro?

Aos três anos de idade, no Jardim Escola Sarah Dawsey e depois no Colégio Andrews. Olha como educação é importante! Comecei a fazer teatro antes de aprender a ler e a nadar. Além disso, meus avós maternos adoravam ir ao teatro. Minha avó me levava todo sábado ao teatro infantil e meu avô, quando eu já estava na adolescência, contava histórias das peças e dos atores que ele havia assistido, desde os anos 30. Contava detalhes dos atores, Procópio, Jayme Barcellos, Manoel Pêra, Bibi, entre outros.

Como se deu a ideia de fundar a Cia dos Atores, no final dos anos 80?

Éramos amigos de escola e do Tablado. Sempre trabalhávamos juntos. Daí a querer criar um grupo e tomar as rédeas da nossa própria carreira, foi um passo. Todos nós somos empreendedores e não temos o perfil de ficar esperando chamados para trabalho. Como diz o ditado: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Foi isso. Corremos atrás dos nossos desejos. Os trabalhos que fundaram estilos e novos conceitos, na Cia dos Atores, foram: A Bao a Qu, Melodrama, Ensaio.Hamlet e Conselho de Classe. O Rei da Vela foi, pessoalmente, importante para mim. Foi durante esse processo que me descobri autor. Atualmente estamos comemorando os nossos trinta anos com o espetáculo Insetos.

A experiência como dramaturgo tem valido a pena?

Muito! Foi a primeira vez que tive um prazer igualável a estar em cena. Ou quase (rs). Sem contar que escrevo sobre o assunto que quero falar e escolho o personagem que quero fazer. O que é muito gratificante. Após 13 anos de trabalhos ininterruptos, com dez textos montados, sinto necessidade de reciclar, mudar o assunto, o estilo, sei lá. Estou ainda em processo de descoberta.

A dança, o canto e a mímica devem fazer parte na formação de um ator?

Claro! Além da leitura, da observação do outro e, sobretudo, da quebra do preconceito. O preconceito é letal para um artista. Conhecer o próprio instrumento é regra básica para um ator. Também temos que saber o que queremos dizer e porque devemos dizer. Nossa arte é milenar, não podemos ser levianos.

Considera Shakespeare o maior dramaturgo de todos os tempos? Além dele, que nomes destaca?

Siiiiimmmm! Nelson Rodrigues, Sófocles (adoro os gregos), Dario Fo, Mauro Rasi, Arthur Azevedo. Entre os jovens, Jô Bilac.

O fato de ter feito televisão e cinema de forma esporádica é por acreditar que um ator se realiza integralmente no palco?

A vida seguiu assim. Como não sei esperar o convite, vou criando o meu caminho. E o teatro sempre foi muito generoso comigo. Faz parte da minha natureza. Nele encontrei grandes personagens e desafios. Mas as poucas oportunidades que tive, tanto no cinema quanto na televisão, foram muito prazerosas.

É possível sobreviver fazendo teatro de qualidade em nosso país? As leis de incentivo ao teatro têm funcionado?

Tem que se virar em mil. O fato de ter sido reconhecido como ator, autor e diretor ajuda muito, pois aumenta o leque de possibilidades. Mas, até hoje, dou aulas no Colégio Andrews. Quanto às leis, elas podem melhorar, mas sou contra destruir o pouco que temos. Digo em relação à Rouanet. Foi graças a essas leis, por mais precárias que sejam, que consegui exercer a minha profissão. Enquanto cultura e educação não estiverem diretamente relacionadas, vamos chover no molhado. Nenhuma política cultural terá resultado. Parece óbvio. E é. Mas os nossos dirigentes não veem assim.

Como foi o desafio de encarnar Ricardo III em forma de monólogo? Esperava tanto sucesso para o espetáculo?

Um incrível desafio. Sinto-me num playground. No início, achei que seria ridículo, que não daria certo. Duvidei muito. Mas o meu querido e talentoso diretor, Sergio Módena, esteve sempre por perto, me encorajando e incentivando. O sucesso veio como consequência de um trabalho profundo e prazeroso. E da confirmação da nossa parceria, minha e do Serginho. Teatro bom é feito com afeto. Acredito nisso.

Na última década, você escreveu e dirigiu alguns dos maiores sucessos do teatro musical brasileiro, consolidando-se como um dos nomes de destaque na área. Como tem sido essa experiência? Dos trabalhos que realizou, quais lhe trouxeram maior satisfação?

Foram, ao todo, dez textos para musicais, em 13 anos. Sem considerar as peças da Cia dos Atores e outros trabalhos em teatro falado, como: Ricardo III e Édipo Rei, por exemplo. Estou com 51 anos e com uma vontade de me reinventar, mudar. Não sei ainda onde isso vai dar, mas o processo já se iniciou dentro de mim. Neste último ano, estive em cartaz com três espetáculos ligados à música popular brasileira: Zeca Pagodinho – Uma História de Amor ao Samba, Bem Sertanejo e Romeu e Julieta ao som de Marisa Monte. Gostei imensamente de trabalhar com o universo poético dos compositores populares que constituem o repertório de Zeca e de Bem Sertanejo. Colocar o subúrbio carioca e o mundo caipira em cena foi revelador para mim. Foi bom para quebrar tabus, preconceitos e mostrar o Brasil e sua cultura popular em cena. Acho que no fundo foi por isso que eu quis me dedicar ao teatro musical brasileiro, para teatralizar a nossa música, descobrir, ou melhor, redescobrir, resgatar a nossa herança da praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, onde os teatros de revista faziam um enorme sucesso. Naquela época, século XIX e início do XX, o teatro e a música popular brasileira caminhavam lado a lado, de mãos dadas.

Algum balanço a fazer pelos 30 anos como professor de teatro?

É, sem dúvida, uma forma de me manter atualizado e não perder a chama, a paixão pelo ofício. O contato com os jovens é poderoso. Um complexo vitamínico de alta potência. É impossível, também, olhar para esses 30 anos e não perceber as mudanças na nossa sociedade. Certas peças que montei, no início dos anos 90, soam, atualmente, obsoletas ou perigosas para os pais dos alunos. Às vezes, dá a sensação de que regredimos em termos de liberdade de expressão. Acho que a sociedade ficou mais careta e conservadora. Os tempos atuais evidenciam isso, né?

Projetos futuros em andamento?

No momento, estudando bastante e dando continuidade às temporadas de Insetos e Bem Sertanejo. Mas, já já vem coisa nova por aí…

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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