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Fábio Assunção: a busca de um teatro silencioso e íntimo

Nome largamente conhecido pelos papéis de destaque na televisão, teatro e cinema, Fábio Assunção chega a três décadas de carreira. Em 2012, estreou como diretor teatral em Expresso do Pôr do Sol. Em 2015, foi o responsável pela direção de um dos grandes êxitos de público e crítica na capital paulista, Dias de Vinho e Rosas, pungente drama sobre a dissolução de uma família, causada pelo alcoolismo.

Quando a sensação de que estava preparado para encarar o desafio de dirigir? O extenso currículo de ator contribuiu em que sentido?

Nunca avaliei se estava ou não preparado para dirigir.Dirijo como um espectador buscando enxergar algo maior na vida e retratar essa visão num teatro silencioso e íntimo. Tenho como objetivo que a platéia possa sentir o que sinto quando experimento com os atores, nos ensaios, as variações da relação entre os homens, seus conflitos e suas diferenças. Sinto-me fazendo algo distante do que faço como ator. É como se trabalhasse com outro material. Colocar-me num palco como ator é me jogar numa atmosfera de energia e força bruta e me deixar levar por ela. É brincar de ser sem saber ao certo o que se é. Quando dirijo, estudo e saboreio a profundidade do que sinto, mas apresento externamente.

É possível estabelecer um diálogo entre Expresso do Pôr do Sol, o primeiro trabalho que dirigiu, e Dias de Vinho e Rosas, que acaba de lhe render a indicação ao Prêmio APCA de Melhor Diretor?

Acho que sim. Em ambos, acredito que construímos esteticamente, eu e a equipe, um ambiente belo e suave, simples e poético, características que fazem um balanço interessante quando se tem do outro lado as dores e dificuldades do ser humano e os extremos de sua complexidade intelectual. No que se refere à iluminação do Caetano Vilela, ele coloca precisamente a luz em cena como um corpo espiritual, revelando uma arquitetura formidável e trazendo encanto ao que vemos. O Fabinho Namatame nos ofereceu, nas duas peças, através da cenografia, figurino e arte, um caminho delicado e apurado, traduzindo as condições de vida das personagens, sem limitar seus cotidianos a um lugar previsível. Com essa linguagem, creio que o Expresso e o Dias passam a pertencer à mesma família. Além de que cada uma delas mostra, num jogo potente entre apenas duas personagens, a busca e o esforço em solucionar a vida, sem que, curiosamente, em nenhuma delas, as personagens escolham um final feliz.

Dias de Vinho e Rosas escancara o vazio em que se encontra boa parte do homem contemporâneo e a ausência de solidariedade em tempos de exacerbação do individualismo. É por aí que temos caminhado?

Caminhamos querendo felicidade, mas com dificuldade em vibrar com a felicidade do outro. Falamos com admiração dos países desenvolvidos, mas a maioria das pessoas que se comporta de maneira deslumbrada quando chega ao exterior, vai continuar sacaneando o Brasil, furando filas e querendo privilégios. Percebo as pessoas com dificuldade em renunciar ao que não gostam. Mas acho que é possível, através da arte, encontrar um caminho de autoconhecimento, de liberdade e de generosidade. Procuro ser gentil e dessa forma ter um bom ambiente a minha volta. Ver o mundo com leveza.

A que atribui o sucesso de público e crítica na temporada de Dias de Vinho e Rosas, apesar de sua densidade? É mais uma prova de que teatro não deve ser apenas entretenimento?

O trabalho do Daniel Alvim e da Carolina Mânica, nossos atores, é lindo demais. Eles se entregam e bravamente alcançam a temperatura exata para que o público se envolva e se contagie. Nada no espetáculo tem tanta relevância se pensarmos que eles fazem essas personagens existirem de verdade. É com eles que está a força da peça. São atores maravilhosos e excelentes de se trabalhar no dia a dia. Acho também que o texto da peça é incrível, poderoso. Esse texto é um presente para todos nós. O texto e o tipo de conflito que ele conta. É uma linda história de amor e da impossibilidade dela acontecer.

O alcoolismo, assim como outras dependências químicas, são ainda vistos por muitos como opção e não patologia. Que papel tem a arte para mudar isso?

A arte muda intimamente os homens, mesmo aqueles que não têm um olhar para si mesmo, que vivem a julgar os outros. A peça pode provocar público sim, emocioná-lo, transformá-lo.

As emissoras de televisão, tendo por patrocinadores de peso fabricantes de bebidas alcoólicas e cigarros, permitirão algum dia o debate sobre a dependência química de forma honesta?

Sei que algumas empresas se preocupam em alertar o consumo consciente, em promover essa discussão. A natureza do lucro é atropelar a ética, mas não acredito que as pessoas desejam uma sociedade bêbada. Se existe esse debate, todos ganham.

Novos projetos em gestação? Textos que gostaria de dirigir futuramente?

Na televisão encerro, agora em julho, o Tapas e Beijos. E inicio uma novela da Rosane Svartman e do Paulo Halm, com direção geral do Luiz Henrique Rios. No teatro, pretendo levar Dias de Vinho e Rosas até o final do ano. E comprei uma obra do André Santanna, em parceria com o Otavio Muller, mas ainda não sei quando e como faremos.

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

 

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