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Autárquicas: quem ganhou, quem perdeu e os casos que marcaram as eleições

Uma lista desta natureza dificilmente poderá ser exaustiva, tantos são os casos que aqui poderíamos comentar. Mas há alguns que se destacam particularmente pelo seu significado, e que gostaria de partilhar.

– O grande perdedor da noite foi, sem dúvida nenhuma, uma vez mais, o povo português. A taxa de abstenção, superior a 46 %, foi a segunda maior desde que vivemos em democracia (25 de Abril de 1974). Um descrédito lamentável para a nossa classe política, assente em partidos políticos (similares a clubes de futebol hoje), que aviltou e degradou o processo político de tal forma, que conseguiu a proeza de afastar praticamente metade do potencial eleitorado dos momentos decisivos do país ! Falar, em circunstâncias destas, de uma vitória, como fez António Costa, é uma temeridade, pois os votos não expressos poderiam alterar significativamente o panorama (e é isso que todos temem….). A já não disfarçável apatia democrática demonstra desinteresse, desilusão e protesto (“para quê votar se é tudo a mesma corja? mudam as moscas, mas o monte de esterco é sempre o mesmo !”, “eles querem é roubar e encher os bolsos, não vou perder tempo com isto” , “votar para quê se a minha vida não melhora?” são alguns dos comentários mais urbanos que ouvi de pessoas que decidiram não votar…). Não vale a pena achacar as culpas à pandemia, porque a maior taxa de abstenção de todos os tempos deu-se em 2013, antes que o covid-19 viesse infernizar a nossa vida a partir de Março de 2020. Ando a comentar este tema da abstenção crescente a cada eleição que passa, e a tendência só indica que vai continuar a degradar-se. Na Alemanha, que teve uma expressiva votação, quase metade do eleitorado votou por correspondência. Considero obrigatório implementar metodologías que facilitem de forma segura e inquestionável a ampla participação democrática em futuros atos eleitorais, como condição para aumentar a sua expressividade, sinceridade e legitimidade democráticas. Acho incrível que partidos políticos que só sobrevivem como muletas do PS, como o BE, os Verdes, o PAN e o PCP, não lutem por essa causa. Estão agora a pagar a fatura por isso, pois o seu eleitorado não lhes perdoa a traição ideológica do oportunismo político que representa a pedinchice de esmolas como forma de estar na vida. Veja-se, como exemplo, a meia dúzia de euros de aumento ao salário mínimo, que os “porreiro, pá “ acham que é a “ grande conquista dos trabalhadores e do povo”, quando deveríamos estar a lutar coletivamente, como desígnio nacional, por fazer crescer a produtividade de maneira a ter salários como no Luxemburgo, e não como na cauda da Europa …).

– O grande e expressivo perdedor da noite, ex-aequo com o povo português, e repetente também, foram as sondagens. Até aquilo que, sendo bem feito, de forma ética, responsável e profissional, pode dar uma boa ideia do real e verdadeiro sentir do eleitorado, está agora a ser grotescamente manipulado por grupos editoriais claramente enviesados politicamente, que o fazem de tal forma descaradamente, que já perderam a credibilidade. Só se aguentam vivos com os favores de quem lhes pede que corrompam todos os fundamentos e princípios éticos que deveriam presidir a um órgão de comunicação social. A capa do Diário de Notícias de 30 de Agosto de 2021 trazia um 51 0/0 garrafal escrito a vermelho. Numa “sondagem” feita por esse grupo de comunicação social (DN, JN, TSF) um mês antes das eleições, o DN já declarava praticamente Fernando Medina como vencedor destacadíssimo das eleições à Câmara Municipal de Lisboa, esmagando por 24 pontos percentuais o seu oponente principal, Carlos Moedas, que viria no entanto a ganhar. Não houve uma única sondagem sequer que se aproximasse minimamente do resultado que veio a dar-se. Shame on you. Em Portugal conseguiram, com a paranóia do controle, da manipulação, e da mentira, adulterar até uma disciplina que era credível. Quanta gente, sobretudo adepta das outras candidaturas, ter-se-á sentido desmotivada a ir votar, quando já havia um vencedor garantido à partida ? Tramaram-se com esta estratégia mal amanhada. E pelo meio destruíram a credibilidade de um setor de atividade que era respeitado e valorizado até passar a ser permeável à manipulação. Eu hoje teria vergonha de trabalhar neste setor, que está a ser o alvo do riso e da chacota de toda a gente. O DN, que era um bastião da liberdade, da seriedade, da isenção e da independência crítica, e hoje é um pasquim mal amanhado, já não entra em minha casa. Shame on you, duplamente.

– O grande vencedor destas eleições foi Carlos Moedas. Contra tudo e contra todos, como ele próprio e bem disse no discurso de celebração da sua notável vitória. Fui um dos descrentes, admito, certamente induzido em erro pelas sondagens amanhadas, e pelo facto de Carlos Moedas ser uma figura amplamente credível e reconhecida internacionalmente, mas desconhecido cá dentro. Enganei-me e ainda bem. Tem uma oportunidade única de mostrar o que vale e limpar uma Câmara que é amplamente conhecida por ser um dos maiores antros de interesses obscuros, ineficiências, nepotismo e malandragem deste país. Use e abuse de transparência na comunicação de denúncias públicas das sacanices que for encontrando. Faça do povo de Lisboa o seu aliado incondicional na luta contra a ineficiência e a corrupção que nos esmagam por todo o país, mas particularmente em Lisboa. Cumpra as suas promessas de campanha (dentro de 4 anos a oposição vai-lhas cobrar), rodeie-se de gente capaz, e não de correligionários amigos a com a cartilha certa, e a lealdade sabuja. Precisa de ter ao seu lado quem o desafie intelectualmente, os melhores nas suas áreas de especialidade (sobretudo em auditoria contabilística, financeira e de processos…), e não quem o endeuse.

– Ganharam os autarcas que realmente trabalham para a melhoria da vida da população, mesmo que tenham um passado escabroso, como é o caso de Isaltino Morais em Oeiras. Dele diz-se aqui que “rouba mas faz”. O facto é que, independentemente das peripécias de ordem judicial em que se viu envolvido, e pelas quais pagou um preço muito duro (passar tempo na prisão é algo que não desejaria nunca ter de experimentar), Isaltino preocupa-se em oferecer serviços de qualidade e infra-estruturas exemplares (visitem o Parque dos Poetas, e rapidamente entenderão porque Isaltino nunca perderá qualquer eleição a que se candidate em Oeiras). Quem quiser aprender o que um autarca modelo faz, e como conquista a mente e o coração da população, deveria visitar Oeiras. Ou deveria visitar Gaia, onde Eduardo Vitor Rodrigues demonstra que não é preciso cair nos extremos de ordem judicial de Isaltino, para fazer e convencer a população a dar-lhe uma esmagadora vitória. Basta estar comprometido com a população, ter contas saneadas (o que lhe permite investir em infra-estrutura urbana, como parques, algo que as populações cada vez mais apreciam e valorizam, e em serviços, em vez de pagar juros à banca), rodear-se de gente capaz e com capacidade de realização, e ouvir os cidadãos.

– Há um caso curioso nestas eleições autárquicas, com o qual encerro a minha já longa narrativa, em que a soma do ganhador com o perdedor dá um resultado nulo. É o caso mais paradigmático e estranho do país. A vitória do pára-quedista Santana Lopes na Figueira da Foz. Quando vi que o homem estava com francas possibilidades de ganhar a eleição, fui um dia almoçar com um amigo à Figueira da Foz, e perguntei-lhe se ele me podia dar uma razão plausível para que isto acontecesse, uma vez que essa linda cidade não avançou um milímetro em termos de desenvolvimento sustentável. Aliás, quando Santana assumiu a Câmara Municipal da Figueira da Foz em 1998, com perto de 60 0/0 dos votos, a Câmara tinha pouco mais de 9 milhões de euros de dívida, e quando ele atraiçoa a Figueira, e sai para concorrer à Câmara de Lisboa, em 2001, a dívida tinha trepado como a espuma para 41 milhões de euros… não se vendo nada de significativo onde essa dinheirama tenha sido enterrada! Como é que, por muito curta que seja a memória do povo, se volta a votar num personagem destes, com um percurso político estranho e ziguezagueante, sem que se descortine obra significativa deixada, a não ser o contestadíssimo túnel do Marquês de Pombal em Lisboa, sem o qual efectivamente a capital já teria colapsado no trânsito ? O meu amigo disse-me a coisa mais estranha que ouvi até hoje, associado à política… Santana pôs a Figueira da Foz nas bocas do mundo ! Com o seu perfil teatral e espalhafatoso, com as suas “Santanettes” a marcar a pauta mediática, com a imprensa medíocre que temos (exceções, que as há felizmente, confirmam a regra) a dar ampla cobertura aos dislates que o homem foi fazendo ao longo do seu percurso, o que a população da Figueira recorda é que com Santana a sua cidade andava nas bocas do mundo, caindo na letargia mortal da sua insignificância mal ele desapareceu, e com ele a horda de figurantes teatrais, da noite, e dos drinks de fim de tarde que o acompanham (a ele e à Gracinha Fonseca…) para onde quer que vá. Não admira pois que o lema de campanha dele ( “Com o Santana, até a Figueira abana”) tenha despertado na população da cidade o desejo ardente de voltar aos tempos de há 20 anos atrás, do glamour, das festas, e das figuras mediáticas (os tais famosos de Big Brothers, Fama Shows, os Sunsets de praia, etc.) a cirandar por aquelas paragens, pois da dívida já ninguém se lembra…

E é assim que, de eleição em eleição uma cada vez maior percentagem da população se alheia (défice cívico dos cidadãos dizem uns…), e Portugal se enterra mais na sua mediocridade, que o distancia do resto da Europa. A continuar assim, dentro de umas décadas, talvez o nome do país possa mudar para Caudal, o Portugal da Cauda, pois já nem a memória do nosso orgulhoso passado haverá para recordar, destruído à bomba por esta corja de infames que anda a tratar de reescrever a nossa História.

José António de Sousa

 

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