Como já devem ter percebido a hora de partida de qualquer deslocação neste continente é sempre uma incógnita. Não adianta ter pressa. Parte quando estiver cheio, ou melhor, a abarrotar. Os táxis usam a famosa tática dos 3 à frente e 4 atrás que faz furor por estas bandas. E lá estou eu uma hora e tal à espera com outros passageiros até finalmente o veículo estar cheio. Mas a tal erudita tática dos 3 4, foi apenas o refogado para este preâmbulo locomotivo.
Calma Rui, não vês que ainda cabe mais um passageiro atrás!
Estamos prontos para partir? É agora?
Rui… respira fundo. Para quê tanta pressa? Estás no Congo. Não vês que ainda cabe mais um!
Agora sim. Mas que conforto agradável. Nem preciso de consultar nenhuma cartomante, para prever que esta será indubitavelmente uma viagem de total conforto.
Pelos vistos existem diferentes táticas de locomoção. Esta para mim é nova.
3 à frente e 6 atrás. Somos uns passageiros que jogamos literalmente à defesa.
Eu vou na parte da frente encostado à janela, ou melhor, vou literalmente com a cabeça cá fora a apanhar vento nas bentas.
Alguns sorrisos e gargalhadas transformam-se rapidamente em “Ais, Uis”..
Só queria chegar rapidamente a Pointe Noire mas as inúmeras paragens por parte das autoridades só atrapalhavam. Olhava para o céu e pedia às nuvens para se desviarem e poder mandar uma mensagem ao todo-o-poderoso e distribuir alguma ociosidade a estes agentes.
Passado pouco tempo começa a chover e eu com a cabeça cá fora.
Mas que raio meu deus! Creio que não entendeste bem a minha mensagem. Eu pedi preguiça para as autoridades e não chuva!
Tive que fechar a janela para não me molhar. Se já me sentia apertado com a janela aberta, agora sentia-me esmagado. Certamente que o meu rosto se assemelhava naquele preciso momento, ao famoso quadro de Munch, “O grito”.
E eis que o feitiço se virou contra o feiticeiro. Eu já suplicava por paragens para poder esticar as pernas e passadas 3 horas chego finalmente todo partido a Pointe Noire.
África é mesmo isto, uma caixinha de surpresas com “Ais e Uis”, mas que não deixa de ter a sua piada.
Rui Daniel Silva
(Sobre o autor: Rui Daniel está a atravessar o continente africano em direção ao Bangladesh. Pode seguir as suas aventuras aqui)