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A verdade oculta no caso Anjos vs. Joana Marques

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Faltava pouco para as 10 da manhã quando as portas da sala de audiências foram abertas. A canícula no exterior já se fazia sentir no espaço, pouco ou nada climatizado, obrigando intervenientes e público a usarem leques ou folhas para combater o calor, que se veio a intensificar ao longo do dia. Isso, obviamente, também colocou as testemunhas em condições difíceis durante as audiências.

O primeiro a ser ouvido foi o contabilista de Nelson e Sérgio Rosado, que apresentou detalhadamente, ano a ano, as contas, nomeadamente a faturação dos cantores e das suas empresas. Fê-lo com profissionalismo técnico, recorrendo a documentos contabilísticos, perante inúmeros jornalistas que faziam apontamentos apressadamente.

A segunda pessoa a ser ouvida foi o humorista Ricardo Araújo Pereira (RAP). Entrou sereno na sala, perante o olhar atento dos presentes, pois tratava-se, sem margem de dúvida, da testemunha que a comunicação social mais ansiava ver e ouvir nesse dia de audiências.

RAP é incontestavelmente uma pessoa inteligente e carismática, não só pela sua imponente altura e facilidade em comunicar, mas também pela notoriedade que conquistou em Portugal. Isto contrastava, por vezes, com o nervosismo que evidenciava ao passar a mão pelo queixo. Houve pelo menos duas situações em que isso se tornou mais claro: quando foi confrontado com a contradição de dizer que desconhecia os detalhes do processo, alegando que «nem sequer tem Instagram», mas, por outro lado, já havia falado a um meio de comunicação social anteriormente à audiência, dizendo que a indemnização pedida pelos Anjos era equivalente a um determinado anos de trabalho, o que acabou por demonstrar que conhecia os pormenores do caso juridico. Face a esse paradoxo, acabou por admitir: «Foi a Joana que me contou». O segundo momento de vacilo foi quando a advogada dos Anjos o interrompeu dizendo: «Isso trata-se apenas de uma opinião sua, certo?», ao que ele respondeu, resignadamente: «Sim». No geral, penso que respondeu sempre de forma sábia, fluente, bem preparada e com o vocabulário abrangente que lhe é próprio. Foi, no entanto, totalmente parcial, defendendo com unhas e dentes a sua amiga pessoal Joana Marques e o humor sem limites.

Tiago Felix Fernandes

A terceira testemunha foi o agente de Joana Marques. Contrariamente a RAP, mostrou-se claramente nervoso durante o depoimento. Isso foi sobretudo notável quando se contradisse relativamente às cartas (e ao seu conteúdo) recebidas da parte dos Anjos, e que foram negligenciadas, tanto por Joana Marques como por ele próprio.

Seguiu-se a pausa do meio-dia. Lá fora, jornalistas aguardavam ansiosamente, filmando cada passo das figuras públicas que se deslocavam para ir almoçar.

Passava pouco mais das 14h00 quando regressámos à sala de audiências. Ligeiramente menos pessoas a assistir do que na parte da manhã. Ventoinhas brancas estavam espalhadas pela sala, tentando combater o calor ainda mais intenso da tarde.

A primeira testemunha ouvida após o almoço foi o locutor Fernando Alvim, que, ao contrário dos anteriores do lado da Joana Marques, se mostrou imparcial, tentando expressar-se de forma mais transparente possível. Ao ouvi-lo, fiquei por momentos na dúvida se era verdadeiramente uma testemunha de Joana Marques, dada a forma como se mostrou solidário com os Anjos. Algumas respostas mais tímidas tiveram de ser arrancadas a ferro pelas advogadas inabaláveis dos irmãos Rosado. Fernando Alvim admitiu em tribunal que chegou a retirar um vídeo por saber dos danos morais, profissionais e pessoais que poderia causar. Foi um momento nobre, ao reconhecer perante todos que o limite da liberdade de uma pessoa termina onde começa a do próximo e que isso também se aplica ao humor. Uma ideia que, aliás, a própria Cristina Ferreira já defendeu em público relativamente a este processo, contrastando com a posição do RAP. Quando lhe perguntaram por que razão o fez, rematou prontamente e sem pudor: «Fi-lo porque quis», o que arrancou alguns risos na sala pela espontaneidade da resposta.

Seguiu-se o depoimento de António Gomes, detentor da empresa Senhores do Ar. Foi, indubitavelmente, o depoimento mais forte (e o mais longo) do dia. António Gomes mostrou-se seguro, factual e quase pedagógico, algo que deixou o lado direito do tribunal, a mesa da ré, visivelmente desconfortável. Recorde-se que foi António Gomes o produtor de uma das maiores produções nacionais de sempre: o recente concerto dos Calema no Estádio da Luz. De lamentar foi ter observado Joana Marques e a sua advogada semi-deitadas nas cadeiras, descontraídamente ao telemóvel, enquanto se passavam elementos relevantes no televisor do tribunal: provas de anulações de contratos, documentos e e-mails diretamente imputáveis à divulgação do vídeo da humorista, ou seja, com uma clara relação de causa e efeito, explicada por António Gomes.

A última pessoa a ser ouvida nesse dia seria a própria Joana Marques. No entanto, devido ao calor, a juíza deu por terminada a audiência eram quarto e meia da tarde. Curiosamente, momentos antes da juíza falar, peguei no meu telemóvel, fui ao Facebook e deparei-me com uma notícia de última hora avançada pela Rádio Renascença, informando que Joana faria um depoimento neste processo, algo que não estava inicialmente previsto. Ou seja, soube desse depoimento em primeira mão não pelo tribunal, onde tudo estava a acontecer, mas sim através de um meio de comunicação social onde, curiosamente, Joana Marques trabalha.

Nota Final

Podemos gostar ou não da música dos Anjos ou do humor de Joana Marques. Isso, obviamente, pode também formatar a nossa opinião sobre o humano por detrás da figura pública que podemos tanto apreciar como defender… ou não. Mas não devemos esquecer o respeito.

O facto é que os irmãos Rosado, em 25 anos de carreira invejável, sempre se mostraram íntegros, desde as causas solidárias às quais se juntaram recorrentemente, passando pela valorização dos valores familiares, dos quais nunca abdicaram. Na opinião pública, isso tem sido negligenciado. Em vez disso, criou-se uma corrente de ódio, também contra a Joana, mas maioritariamente contra os Anjos.

Decidi partilhar este testemunho porque vi, ouvi e observei religiosamente, na primeira pessoa, os acontecimentos deste dia no tribunal e que infelizmente nem sempre correspondem ao que se lê nos meios de comunicação social nas horas ou dias seguintes. Hoje temos os chamados ‘influencers’ que realmente podem influenciar a opinião pública, sejam personalidades ou entidades do serviço público. Não necessariamente com mentiras, opiniões ou analogias mas, sobretudo, por passarem apenas parte da verdade, e como sabemos, bem fomentada, essa parte basta para incentivar ao ódio, que se transforma em violência verbal e, por vezes, até física.

Como profissional de saúde, tenho perfeita noção da estigmatização infeliz das depressões e ansiedades, onde o chamado humor é, por vezes, a causa. Infelizmente só damos o devido valor ao respeito quando a falta dele nos atinge da forma mais cruel, a nós ou aos nossos filhos. Podemos ser poderosos atrás das redes sociais, mas fora delas somos frágeis. Ainda hoje eu fico impressionado com o número crescente de pacientes que vejo diariamente no meu consultório que tomam antidepressivos. Mais do que tratar, é fundamental prevenir. E isso parte de todos nós.

Relembro também que este caso judicial não é contra a liberdade de expressão, mas sim contra a publicação de um vídeo adulterado, que provocou danos morais, pessoais e profissionais (com provas claras apresentadas em tribunal) não só a figuras públicas, mas também aos seus familiares e amigos.

É de louvar e, a meu ver, um ato de humanismo e respeito, quando celebridades como Fernando Alvim ou Cristina Ferreira defendem que devemos furar o nosso orgulho e recuar um passo quando sentimos que estamos a fazer mal a alguém, mesmo através do humor. Um humorista, tal como um médico, não é impune. Não é todo-poderoso. Temos de reconhecer os nossos limites e a deontologia, no meu caso.

O próprio RAP reconheceu publicamente, e até com firmeza, as falhas técnicas do vídeo original, mas, ao mesmo tempo, relativizou os danos causados pela sua colega e amiga Joana Marques, o que é de lamentar. E atenção: eu adoro o humor, nomeadamente o do RAP. Além do vídeo da Joana não ter sido retirado, houve ainda um aproveitamento do assunto por parte dela em doze espetáculos, onde gozou com o caso e passou imagens dos cantores. Provas em suporte visual também foram apresentadas em tribunal.

É difícil saber quem vai ganhar. Como se costuma dizer em bom português: “até ao lavar dos cestos é vindima” mas segundo o ChatGPT, a probabilidade dos Anjos vencerem é de 60%, contra 40% de Joana Marques, baseando-se em casos semelhantes no estrangeiro, e dependendo, obviamente, da força das provas apresentadas em tribunal.

Mais do que isso, o que desejo é que a justiça seja feita dentro do tribunal, e não através de jogos de poder externos. Li algo há uns dias nas redes sociais que penso encaixar bem para concluir este artigo:

“Se os Anjos ganhassem, talvez perdêssemos um precedente judicial. Mas se continuarmos a aplaudir a humilhação como forma de fazer rir, o que perdermos é bem mais grave: empatia, decência e a noção de que nem tudo, só porque é dito com um microfone na mão, tem graça.”

Decidi contar a outra parte da verdade. Não aquela que li em vários jornais, mas a que pude testemunhar na primeira pessoa, e da qual quase ninguém fala: a verdade oculta.

A próxima audiência está marcada para o dia 11 de julho de 2025 à 10 horas.

Tiago Felix Fernandes


Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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