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A tributação de rendimentos de tokens digitais em Portugal

O QUE SÃO TOKENS DIGITAIS?

Na prática e em termos genéricos, os tokens digitais correspondem a linhas de código informático, relativamente às quais pode ser atribuído um determinado valor, e são registadas e controladas através de uma base de dados descentralizada (rede peer-to-peer) que armazena permanentemente o registo das transações efetuadas (blockchain), protegendo os tokens de eventuais falsificações ou furtos, bem como a identidade dos seus titulares.

Sem prejuízo das dificuldades em torno da qualificação que esta nova realidade comporta e das relevantes questões de regulamentação comumente levantadas, tal como a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) indica, os tokens digitais baseados em criptografia e blockchain podem ser categorizados de várias formas.

Deste modo, uma determinada categorização não exclui necessariamente outra, mas a seguinte pode servir de diretriz:

• currency tokens: quando apre-sentam funções similares às das moedas fiduciárias, nomeada-mente, quando pretendem, mais especificamente, representar o valor monetário do próprio token e funcionam como um potencial meio de troca ou pagamento (por exemplo, a Bitcoin);

• securities and equity tokens: quando têm características semelhantes a ativos financeiros e valores mobiliários e podem ser negociados enquanto tais;

• utility tokens: quando a sua emissão não implica a concessão de direitos para além da propriedade do próprio token e pode, por um lado, conceder o acesso a um produto ou serviço (por exemplo, um usage token) ou a permissão para contribuir e participar num determinado trabalho (por exemplo, work token), mas também, por outro lado, pode ser admitida a sua venda no mercado (muitas ve-zes são emitidos no contexto de uma Initial Coin Offering);

• asset tokens: quando têm subjacente um ativo digital ou físico (por exemplo, obras de arte físi-cas ou digitais, metais preciosos, como o ouro, imobiliário, etc.); e

• hybrid tokens: quando têm duas ou mais das diferentes características anteriormente mencionadas.
Neste momento, é relevante notar que o termo “criptomoeda” é, atual-mente, empregue para se referir não apenas a tokens com características de moedas, mas também aos restantes tipos de tokens (securities, utility, e hybrid tokens), no entanto, entendemos que este termo deve ficar reservado aos currency tokens.

De facto, o primeiro token digital criado, baseado em blockchain, foi a Bitcoin, que é a criptomoeda original e, por definição, um currency token, mas, atualmente, existem milhares de tokens digitais alternativos com diversas funções, especificidades e características que não coincidem com a de servir como meio de troca ou de pagamento e, portanto, não qualificando apenas como criptomoedas ou currency tokens, mas também como securities tokens e hybrid tokens.

Dito isto, de acordo com a definição de criptomoeda do Banco Central Europeu, esta consiste num tipo de dinheiro digital, não regulamentado ou ligado a qualquer Banco Central, que é emitido e, geralmente, controlado pelos seus criadores, sendo utilizado e aceite entre membros de uma comunidade virtual específica. Deste modo, é evidente que esta de-finição se refere apenas a currency tokens e não a outros tipos de tokens digitais.

A natureza das moedas evoluiu ao longo do tempo, desde a moeda-mercadoria (cujo valor vem da mercadoria da qual ela é composta), à moeda-papel (notas bancárias que podem ser trocadas por ouro ou prata), até à moeda fiduciária (que não tem valor intrínseco, mas que goza de curso legal e é emitida por um Banco Central que mantém o seu valor estável). É relevante notar que que a moeda fiduciária pode existir digital ou eletronicamente, sem ter uma representação física – numa conta bancária sob a forma de registo informático, depositada numa conta poupança, num cartão pré-pago ou num telemóvel, etc. –, consistindo, simplesmente, num valor monetário registado informaticamente.

Todavia, quando a moeda física ou digital não está sob o controlo de uma autoridade reguladora centralizada, como um Banco Central, do ponto de vista jurídico, não pode ser considerada como dinheiro, que é precisamente o caso das criptomoedas que não gozam de curso legal, mas apenas convencional.

Em todo o caso, tal como o dinheiro físico, as criptomoedas são tokens fungíveis, ou seja, podem ser negociadas ou trocadas umas por outras. Por exemplo, um Euro tem sempre um valor igual a qualquer outro Euro, uma Bitcoin tem sempre um valor igual a qualquer outra Bitcoin.

Já os asset tokens consistem num diferente tipo de tokens digitais e são uma evolução relativamente às criptomoedas: podem ter subja-cente um ativo fungível, tal como os asset tokens que têm subjacentes o ouro, ou um ativo digital ou físico não fungível.

Estes últimos, os chamados NFT’s, são representações criptográficas, em redes blockchain, de ativos digitais ou físicos, como obras de arte digitais ou físicas, ou bens imóveis. Por representarem um ativo não fungível, possuem códigos de identificação exclusivos e metadados que os distinguem uns dos outros. Portanto, ao contrário das criptomoedas, não podem ser negociados ou trocados com equivalência entre si.

POR QUE RAZÃO DEVEM OS RENDIMENTOS PROVENIENTES DE TOKENS DIGITAIS SER TRIBUTADOS?

Os diferentes tipos de tokens digitais, fungíveis e não fungíveis, e independentemente das suas características específicas e utilização prática, são ativos em espécie e podem, em qualquer caso, corresponder a um capital convertível num montante pecuniário, revelando a capacidade contributiva dos seus utilizadores.

O princípio da capacidade contributiva, decorrente do princípio da igualdade, é um princípio estruturante do sistema jurídico-tributário português, que reflete a ideia de que a incidência de impostos deve ter sempre como critério o rendimento ou os ativos de cada contribuinte.

PORTUGAL É UM PARAÍSO FISCAL PARA OS INVESTIDORES DE TOKENS DIGITAIS?

A resposta imediata é “não”, mas estamos no domínio do Direito Fiscal, pelo que, existem, sempre, muitas nuances.

Primeiramente e acima de tudo, é importante salientar que as empresas e outras entidades jurídicas são tributadas, em Portugal, sobre os seus rendimentos, em sede de IRC e que as pessoas singulares são tributadas, sobre os seus rendimentos, em sede de IRS.

A tributação dos rendimentos provenientes de investimentos em tokens digitais auferidos por pessoas coletivas (por exemplo, empresas e outras entidades jurídicas que não sejam consideradas pessoas singulares) não suscita muitas dúvidas: todos os rendimentos devem ser computados no lucro tributável da entidade e estar sujeitos a IRC.

Porém, a carga fiscal específica a suportar por cada empresa dependerá de diversos fatores, nomeadamente se a empresa for residente (ou se ti-ver um estabelecimento estável) em Portugal ou não residente, qual a fonte territorial dos rendimentos, se a empresa estiver sujeita a determinado regime especial, o que requer uma análise minuciosa de cada concreta situação.

Por outro lado, a tributação de rendimentos provenientes de investimentos em tokens digitais auferidos por pessoas singulares suscita várias questões, uma vez que o IRS tem diferentes categorias de rendimentos e que cada tipo de tokens digitais pode, potencialmente, gerar diferentes tipos de rendimentos sujeitos a tributação. Consequentemente, neste contexto, uma análise minuciosa de cada concreta situação é ainda mais relevante.

Em abstrato, podem existir cinco tipos de operações que envolvem tokens digitais:

• aquisição originária de tokens digitais (através de mineração ou de cunhagem);

• investimentos em tokens digitais (por exemplo, comprar e vender criptomoedas ou NFT’s ou auferir rendimento passivo destes)

• receber tokens como pagamento de um bem ou serviço;

• receber tokens gratuitamente (através de doações); e

• utilização de tokens na aquisição de bens e serviços.

Apenas as quatro primeiras transações poderão gerar rendimento potencialmente tributável, ao nível das pessoas singulares, em sede de IRS.

Todavia, note-se que a utilização de tokens digitais na aquisição de bens e serviços por pessoas singulares pode, no entanto, corresponder a uma manifestação de riqueza relevante (e potencialmente utilizada) para a determinação dos rendimentos do contribuinte pela Administração tributária e pode, também, envolver o pagamento de outros impostos, como o Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) pelo sujeito passivo enquanto consumidor final dos bens e serviços adquiridos.

De uma perspetiva high-level, atualmente, os rendimentos provenientes da utilização de tokens digitais podem de facto cair no âmbito de qualquer uma das categorias de rendimento do IRS (uma vez que podem ser utilizados como pagamentos em espécie de rendimentos com as respetivas características: o rendimento de trabalho, as rendas no âmbito do arrendamento de um imóvel e até mesmo uma pensão pode ser paga com tokens digitais).

Mas analisando especificamente os rendimentos gerados pelo investimento em tokens digitais, estes podem, potencialmente, ser tributa-dos nas diferentes categorias (como rendimentos empresariais e profissionais, na categoria B, como rendimentos de capitais, na categoria E ou como mais-valias, na categoria G).

Por exemplo, a mineração de criptomoedas poderia ser equiparada à extração de carvão ou ouro ou, tam-bém, à criação de propriedade intelectual. Deste modo, os rendimentos provenientes da atividade de mineração de criptomoedas po-deriam ser tributáveis como rendimentos empresariais ou profissionais, no âmbito da categoria B, independentemente da existência de uma atividade profissional independente subjacente, prestada de forma regular, com um objetivo de empresarial e de obtenção de lucro.

Por outro lado, os ganhos derivados de investimentos em securities tokens, que têm subjacentes valores mobiliários, poderiam ser tributa-dos como mais-valias (categoria G – taxa fixa de 28%), uma vez que existe uma previsão legal específica no âmbito desta categoria para a alienação de valores mobiliários.
Além disso, no que respeita à possibilidade de eventuais rendimentos auferidos no âmbito de uma atividade empresarial ou profissional, é importante salientar que esta situação envolve a verificação de diversas características e não apenas a de regularidade.

De facto, uma atividade profissional pode ser prestada mediante a prática de um ato isolado ou com regularidade (habitualidade e periodicidade). Por conseguinte, deve ser feita uma análise rigorosa no que respeita ao enquadramento geral da situação pessoal e fiscal e da substância económica de cada caso, bem como relativamente ao seu objetivo empresarial e de lucro.

Também, muitos investidores acreditam que existe um parecer oficial e vinculativo da Administração tributária aplicável a todas as situações referentes ao investimento em tokens digitais, mas, na realidade, a Administração tributária apenas tomou posição relativamente a um determinado tipo de transações e envolvendo apenas um dos tipos de tokens digitais: a compra e venda de criptomoedas.

De acordo com a sua posição, os ganhos derivados da compra e venda de criptomoedas só podem ser tributados caso sejam provenientes de uma atividade empresarial ou profissional (categoria B – taxas progressivas até 48%).

Trata-se de uma perspetiva bastante genérica e não tem em consideração diversos aspetos quanto à situação, nomeadamente aspetos referentes às diversas características de uma atividade empresarial e profissional. Por exemplo, os ganhos provenientes da alienação de ações estão expressamente previstos na lei como mais-valias (categoria G – taxa fixa de 28%), mas se foram obtidos através de um investimento “regular e profissional” deve esta atividade ser considerada como uma atividade empresarial ou profissional e tributada no âmbito da categoria B? Acreditamos que não.

Como se verifica, existem outras operações para além da mera compra e venda de criptomoedas e, mais importante, existem tokens digitais com características distintas das criptomoedas.

Face ao exposto, e independentemente das operações realizadas, pelos contribuintes, que impliquem quaisquer tipo de tokens digitais, é aconselhável que se informem relativamente ao enquadramento fiscal potencialmente aplicável à sua situação específica e, também, que mantenham um registo de todas as transações efetuadas, ou seja, um registo que justifique a origem dos rendimentos, especialmente se incorrerem em determinadas despesas, vistas pelo legislador como potenciais manifestações de riqueza injustificadas.

SERIA A REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA BENÉFICA TANTO PARA OS INVESTIDORES COMO PARA A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTARIA?

Embora Portugal continue a ser uma verdadeira plataforma de investimento e residência para os investidores, quer particulares quer empresas, a falta de regulamentação específica e as particularidades dos investidores em tokens digitais têm contribuído para que muitos deles optem por se mudar para Portugal, acreditando que se trata de um paraíso fiscal no que respeita a tokens digitais, concretizando, aqui, cash-outs significativos (convertendo os seus rendimentos em espécie para moeda que goza de curso legal) e despesas consideráveis, sem reportarem quaisquer rendimentos à Administração tributária.

A falta de regulamentação específica mantém-se atualmente, mas somos da opinião que um quadro jurídico-fiscal específico seria mais favorável face à atual indefinição regulamentar, uma vez que esta situação não tem sido benéfica nem para os contribuintes nem para a Administração tributária e tem vindo já a originar litígios.

Por forma a dar ao ordenamento jurídico algumas (muito necessárias) certezas, seria do interesse de todos que fosse criado, com brevidade, um quadro legal específico, nomeadamente no que toca a regras de determinação da fonte territorial dos rendimentos provenientes de investimentos em tokens digitais, o que permitiria a respetiva conjugação com o regime especial dos Residentes Não Habituais (“RNH”), o qual é o regime que, de facto, faz de Portugal um país muito competitivo face a outras jurisdições.

Deste modo, ficaremos à espera de novidades com a Lei do Orçamento do Estado para 2022, a qual está já ao virar da esquina.

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Rogério M. Fernandes Ferreira
Filipa Gomes Teixeira
Duarte Ornelas Monteiro
Joana Marques Alves
Yasser Tavares Vali
Raquel Cabral Duarte
Ricardo Miguel Martins
Vanessa Lopes Rodrigues

(Private Clients Team)
www.rffadvogados.pt

 

 

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