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A revisão dos benefícios fiscais

Os benefícios fiscais representam derrogações às regras gerais de tributação visto suspenderem, ainda que temporariamente, a aplicação do princípio da capacidade contributiva e da igualdade tributária, em virtude da protecção de interesses extrafiscais prevalecentes e constitucionalmente relevantes.

Em termos gerais, os benefícios fiscais dizem-se permanentes quando estabelecidos para o futuro, sem predeterminação da respectiva duração (de caracter estrutural), e dizem-se temporários quando a lei fixa um limite temporal à duração do benefício.

O Estatuto dos Benefícios Fiscais, desde 2012, passou a determinar que, salvo excepções legalmente previstas, os benefícios fiscais previstos no referido Estatuto vigoram durante um período de cinco anos.

Neste âmbito, e por não pretender uma renovação automática, o Governo tem vindo a “ensaiar” a análise e revisão dos benefícios fiscais previstos no Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Revisão “ordinária” de benefícios fiscais

A revisão dita ordinária dos benefícios fiscais (designadamente, com a Lei do Orçamento de Estado para 2017, em que se previa a realização de “um relatório que contenha uma avaliação qualitativa e quantitativa […], para efeitos de ponderação da respetiva cessação, alteração ou prorrogação”) foi temporariamente prorrogada, inicialmente, até ao final de 2017.

Na sequência da sua não conclusão até ao final de 2017, com a Lei do Orçamento de Estado para 2018, o Governo comprometeu-se a apresentar à Assembleia da Republica, o referido relatório, no prazo (ordenador) de 90 dias, prevendo-se, então, que, na ausência da prorrogação mencionada, e mantendo-se uma omissão legislativa, o conjunto de benefícios fiscais caducariam em 1 de Julho de 2018.

Mais recentemente, reconhecendo a necessidade de uma análise ponderada não só do conjunto de benefícios fiscais mas, também, de um ponto de vista geral do próprio Estatuto dos Benefícios Fiscais, o Governo aprovou em Conselho de Ministros a Proposta de Lei 121/XIII, que propõe revogar e prorrogar, numa base transitória, a vigência de determinados benefícios fiscais.

Neste contexto, afirma-se no Comunicado do Conselho de Ministros de 22 de Março de 2018 que “a prorrogação da vigência de alguns benefícios fiscais, que de outro modo caducariam, justifica-se até à apresentação das conclusões do Grupo de Trabalho constituído pelo Governo com o objectivo de medir se os fins económicos e sociais que fundamentaram a criação em concreto de cada um dos benefícios fiscais foram ou não efectivamente atingidos”.

Os benefícios fiscais em causa

A abordagem passa, por um lado, pela concretização do princípio de que devem ser as autarquias locais a decidir sobre os benefícios fiscais associados às suas receitas próprias, bem como, por outro lado, pelo lançamento de uma discussão transversal sobre a reavaliação dos benefícios em vigor.

Neste enquadramento, propõe-se a revogação dos seguintes benefícios fiscais:
– planos de poupança em acções;
– prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística; e
– parques de estacionamento subterrâneos.

Propõe-se também a prorrogação, até 31 de Dezembro de 2019, dos seguintes benefícios fiscais, sem alterações:
– empréstimos externos e rendas de locação de equipamentos importados;
– empresas armadoras da marinha mercante nacional;
– comissões vitivinícolas regionais;
– entidades gestoras de sistemas integrados de gestão de fluxos específicos de resíduos;
– colectividades desportivas, de cultura e recreio;
– deduções à colecta do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares; e
– imposto sobre o valor acrescentado − transmissões de bens e prestações de serviços a título gratuito.

Propõe-se, ainda, a prorrogação, até 31 de Dezembro de 2019, dos seguintes benefícios fiscais, aqui com algumas alterações:
– criação de emprego;
– conta-poupança reformados;
– serviços financeiros de entidades públicas;
– swaps e empréstimos de instituições financeiras não residentes; e
– depósitos de instituições de crédito não residentes.

Enquanto a alteração relativa aos benefícios fiscais à criação de emprego é efectuada no sentido de diferenciar positivamente os benefícios para as PME, favorecer os territórios mais desfavorecidos e uniformizar os conceitos subjacentes aos critérios de aplicação do benefício, a Proposta de Lei aponta que as demais alterações têm em comum a necessidade de introduzir mecanismos que desincentivem a utilização abusiva desses benefícios fiscais por parte dos respectivos destinatários.

A revisão “geral” de benefícios fiscais

As pretensões governativas não se quedam, contudo, pela dita revisão ordinária.

De acordo com o Comunicado do Conselho de Ministros de 22 de Março de 2018, “procura-se, também, criar as condições para o lançamento da discussão em torno da reavaliação dos benefícios fiscais actualmente em vigor, permitindo a verificação da actualidade dos respectivos pressupostos de aplicação e do seu custo-benefício”.

Com efeito, mediante o Despacho do Ministro das Finanças n.º 4222/2018, de 26 de Abril (Série II), é oficialmente criado “um ‘Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais’ (‘GT EBF’), que tem por objectivo a realização de um estudo aprofundado sobre o sistema de benefícios fiscais que vigora em Portugal e que possibilite a avaliação dos referidos benefícios e do sistema de benefícios fiscais no seu todo”, sublinhando-se, teleologicamente, a “importância que se reveste a identificação exaustiva de todos os benefícios fiscais em vigor no nosso ordenamento jurídico e a necessidade de uma avaliação objectiva da sua eficácia, tendo em conta os objectivos económicos e sociais que presidiram à sua criação”.

O despacho do Ministro das Finanças publicado a 26 de Abril de 2018 em Diário da República (retroactivo a 17 de Abril), formaliza a constituição do novo grupo de trabalho, o qual tem até ao dia 31 de Março de 2019 para apresentar ao Executivo um relatório com a lista dos benefícios fiscais que deverão ser mantidos em vigor e uma avaliação do custo-benefício daqueles que poderão desaparecer.
Assim, o Governo decidiu pela prorrogação da vigência de alguns benefícios fiscais, que de outro modo caducariam no dia 1 de Julho de 2018, até ao dia 31 de Março de 2019 (data final para a apresentação das conclusões do grupo).

Conclusões

Em face da força revisionista, cuja necessidade cíclica é reconhecida, importa monitorizar de perto a evolução da discussão pública, económica e jurídica relativamente à questão, quanto a elementos que podem constituir importantes factores de crescimento económico, de dinamização da economia, e de promoção de interesses públicos extra-fiscais.

A revisão dos benefícios fiscais deverá ser feita com neutralidade e não ter por objectivo aumentar a receita, sendo que as decisões que os benefícios fiscais digam respeito só irão constar da Lei do Orçamento do Estado para 2019.

Haverá, designadamente, que retomar o bom exemplo da reforma Pitta e Cunha de 1988 e, provavelmente, relembrar o princípio broading the base, reducing the rates, das reformas dos anos 80, assim retirando margem ao Governo para aumentar de novo as receitas fiscais.

Lisboa, 7 de Junho de 2018
Rogério M. Fernandes Ferreira
Jorge S. Lopes de Sousa
José Pinto Santos

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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