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Obsolescência sentimental

 Meu lívido desespero loiro

o que te faz voltares sempre a mim

como um barco bêbado sem cais?

 

Chegas como se fosses a Marylin

dengando, balouçando, sussurando

“Mein süsser”, mas a tua língua é acerba,

O teu vestido demasiado largo

fica-te como um trapo

e o teu peito inexistente não mente.

Eu agradeço a ilusão, mas sei que é

da vodka e da erva, e não da paixão.

 

Pintas os lábios como se desenhasses

uma vulva no lugar da boca

e eu caio sempre, como se precisasse de ti,

das tuas carícias, das tuas curvas e dos teus buracos.

Pobre de mim, como um reles roedor

procurando tocas por aí…

 

Tu pareces não ter estados de alma,

vens amornar o teu corpo ao meu,

procuras um carinho que não te consigo dar

o anil dos teus olhos é hoje cinzento

nas tuas mãos correm pequenos rios azuis,

tens as pontas dos dedos amareladas,

ossos salientes nos teus ombros e omoplatas,

os teus braços brancos parecem desarticulados,

as tuas pernas débeis e demasiado finas,

os teus quadris vincados, as coxas descaídas,

as nádegas alvas e os joelhos vermelhos (de fazer o quê?),

mas os teus seios são rosas tímidas e doces

e bebo-os de um trago.

 

Sem influxo insuflo um vigor automático

e indolente, ponho-me em ti, enfio-me em ti,

tu acolhes-me com um sorriso mole

e uma apatia disfarçada,

mas conseguimos encaixar e ficamos

momentaneamente eufóricos por ver que ainda funcionamos.

A máquina no espelho do quarto parece

ter rodagem, o Álvaro de Campos iria adorar

cantar o nosso êmbolo e verborrear

sobre o meu tesão a despejar-se em ti

em golfadas semi-brutas, semi-puras, semi-artificiais.

O meu tesão que o meu amor não quer.

 

Depois de te vires

– mas nem sempre te vens

e dizes que não importa –,

descansas os teus longos cabelos de oiro em mim

e o teu respirar quente no meu peito

e acabas por adormecer assim,

eu ainda dentro de ti, alojando-me com um intruso,

perco-me no que será de mim, de ti e de tudo,

se ainda temos conserto

ou se será sempre este deserto…

 

Na lânguida madrugada acordo de repente

com o teu rosto magro mergulhado no meu ventre,

os teus olhos estão tristes e semi-cerrados,

mas dizes que bebes a gosto,

“adoro o teu mosto,

és bom como o vinho”,

e eu esvazio-me no teu queixo

sem dó nem carinho.

 

Ao menos, não nos mentimos,

contigo sei que é para isto

carregamos e descarregamos o corpo um do outro,

trocamos beijos como se fosse de verdade

e tudo é normal.

Duas solidões não fazem um amor,

estes parcos sucedâneos de sexo são

um intercurso, um intercâmbio, um trato, um contrato,

há quem lhe chame amizade colorida ou com benefícios,

mas, na verdade, não sei que cor ou lucros traz,

serão as outras amizades a preto e branco

melhores ou piores que a nossa,

meu querido cadáver esquisito sem requinte?

 

O teu sono não é tranquilo, o meu também não,

passo as noites em branco de mente turva

e tu a soltares sempre o mesmo palavrão

numa língua que não entendo, “Kurva!”.

 

Viro-te as costas,

mas deste lado só vejo mostrengos

cavalos verdes pelas paredes

uma turba de sombras pardas

os meus pesadelos, os meus enganos,

os meus fracassos, todo o estrume

que é hoje a minha vida.

 

Acordas por instantes

e murmuras “Ich liebe dich”.

Eu sei que não, minha querida,

mas eu também não, por isso, tudo fixe…

 

Sabes, o meu coração está velho e ferrugento,

obsoleto, bolorento, obsolescento,

as rodas dentadas estão gastas

a mecânica já expirou, a ignição falhou,

os pistões estafados, as alavancas emperradas,

está avariado, fora de prazo,

é um bem perecível em estado avançado de aventamento.

 

Por isso não entendo,

o que te faz voltares sempre a mim,

meu querido desespero loiro?

 

JLC08122017

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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