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O Muro de Merelim

Na passada sexta-feira, dia 9 de Novembro, vesti o meu melhor fato de fazenda escura, coloquei os meus óculos à Erich Honecker, peguei no meu velhinho Trabant e rumei a Merelim, para assistir às grandiosas comemorações dos 29 anos da queda do muro sobre o qual toda a gente fala. Mal cheguei à entrada de Merelim-Leste (quase não via a placa de Merelim, devido ao típico nevoeiro alemão), imobilizei o meu carro junto a um popular que acabava de tomar o seu bagaço “mata-bicho” numa taberna (também ela muito popular) à beira da estrada e perguntei-lhe onde é que estavam a decorrer as comemorações da queda do muro de Merelim. Com um sotaque tipicamente germano, o popular lá me indicou a direcção do Aeroporto Internacional de Merelim, pois certamente os VIP’s deveriam aí aterrar de avião, vindos de todos os cantos do mundo, a fim de irem todos festejar para um motel das proximidades, a queda de qualquer coisa. E a mim, bastaria segui-los para o local da festa, cujo ponto alto seria o derrube de um dominó em comboiozinho, com os líderes mundiais a aplaudir muito a reconstituição da cena histórica da queda do muro de Merelim, uns atrás dos outros. Lembrei-me que em Portugal, se fizéssemos uma festa sempre que cai um muro, com concertos do Quim Barreiros (o Roger Waters do Minho), então não se fazia mais nada. Passávamos os dias em festas, a aplaudir sem parar e a cantar “Eu gosto de mamar nos peitos da cabritinha… Eu gosto de mamar nos peitos da cabritinha…”

Em Portugal jamais seria possível um muro aguentar tanto tempo de pé, como aguentou o muro de Merelim, não porque sejamos mais democratas, mais pacíficos ou mais tolerantes uns para com os outros, mas porque qualquer muro que se construa no nosso país, acaba por se desmoronar naturalmente ao fim de poucos anos, sem qualquer intervenção humana ou ideológica, mas apenas porque tem areia a mais e cimento a menos.

Na estreita estrada para o aeroporto, com ridículas lombas, vi gigantes outdoors a promover a legalização do casamento gay… e pareceu-me reconhecer neles o Brezhnev e o Honecker aos beijos na boca. Chegado ao Aeroporto de Merelim, entrei no Free Shop e comprei um quilo de batatas, dois molhos de nabiças, uma alface e um raminho de coentros, enquanto aguardava pela chegada da comitiva VIP, liderada pela Chanceler Alemã Angela Merkel. À medida que as horas iam passando, os coentros iam secando, e eu tinha, volta e meia, de ir à casa de banho salpicar os meus legumes, para se manterem fresquinhos para as grandiosas comemorações da queda do mudo de Merelim, as quais, pelos vistos, decorreriam com um apreciável atraso.

Já estava a anoitecer quando senti algo a cair em cima de mim. Ainda pensei que fosse um muro, mas era apenas um jovem paraquedista. Aproveitei e perguntei-lhe se sabia de alguma coisa sobre as comemorações da queda do muro que antigamente dividia Merelim em dois blocos. Fiquei boquiaberto quando ele me explicou que ainda existem duas Merelims, divididas por um muro de pedra, com um metro de altura: a Merelim Oeste, ocupada pelos comunistas (também conhecida por Merelim – São Paio) e a Merelim Leste, ocupada por uma coligação de ideais capitalistas (também conhecida por Merelim – São Pedro). E eu que sempre pensei que Merelim-Oeste estivesse na esfera do capitalismo e a Merelim-Leste na esfera do comunismo. Afinal andei todos estes anos enganado! E o muro, esse símbolo de divisão de pensares, ideologias e marcas de carros, ainda lá estava de pé! Eu próprio pude constatar este facto histórico, quando à saída de uma curva, perdi o controlo do meu querido Trabant e embati violentamente no muro que divide Merelim ao meio! Orgulho-me de ter feito a primeira brecha no muro de Merelim! Ainda me torno um herói!

Claro está que fiz a viagem de regresso a Braga, de ambulância, onde fui assistido por duas enfermeiras oriundas da antiga cortina de ferro, e com as quais não houve quaisquer problemas em desenferrujar a língua. Enquanto línguava com as enfermeiras, para me manter consciente, ia pensando como o mundo seria um lugar diferente se se derrubassem vários muros… o muro que separa o Portugal pouco desenvolvido, do Portugal nada desenvolvido; o muro que separa o sexo, do compromisso sério; o muro que separa o Rui Santos, do parque de estacionamento da SIC; o muro que separa o Céu, do Inferno, pois o exemplo deve vir de cima. Ocorreu-me ainda a ideia de nos juntarmos todos para derrubar o muro que separa o homem comum das top-models que dão brilho às páginas centrais da Playboy, pois também temos direito a apalpá-las!

Contudo, antes de me internarem no Serviço de Psiquiatria do Hospital de Braga, com o meu neurónio único fracturado em dois sítios diferentes, pedi ao condutor da ambulância que passasse pela Feira do Livro a decorrer na Praça da República de Braga, pois estava com um desejo enorme de comprar e ler a obra de Catherine Breillat, “Pornocracia”, ilustrada com a apetitosa pintura peluda de Gustave Coubert. Vasculhei cada milímetro quadrado da barraca branca e não encontrei o livro da polémica. Já agastado pela incessante e vã procura, lembrei-me de perguntar às duas meninas de serviço na Feira pelo dito cujo… Elas, vermelhas que nem tomates, lá me responderam muito timidamente, em coro: -“Esse livro que o senhor procura está escondido, devido aos problemas que ocorreram no ano passado…”. –“Onde?”, inquiri eu. – “Debaixo do terminal de pagamento multibanco”, esclareceram-me as simpáticas meninas. Com uma câmara oculta, tirei uma fotografia a este insólito, porém excitante cenário.

Ora, de facto, haverá melhor sítio para esconder uma artística vagina do que debaixo de um terminal de pagamento automático? Pelo menos, enquanto os visitantes da feira do livro pagam as suas bíblias sagradas, de terminal multibanco na mão, têm direito a gozar, ainda que por breves instantes, de uma magnífica visão da “Origem do Mundo”… a qual daria certamente uma óptima ilustração para o Livro do Génesis…

E termino este artigo saudosista com a seguinte reflexão: “Praticamente três décadas depois da queda do Muro de Berlim, ergueu-se o Moro de Brasília…”

 

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