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No primeiro dia de tropa

Depressa outras preocupações esperavam por si neste primeiro dia de tropa.

Dali seguiram para a caserna que ficava ao fundo da parada. Era uma caserna grande, com montes de beliches ordenados de maneira alinhada, alguns beliches duplos, outros single. A caserna estava repleta de novos recrutas como ele e os amigos. Alguns ainda não tinham passado pela barbearia e quando lá iam, na volta já havia uma dificuldade grande de os reconhecer novamente. Tinham de se fazer as apresentações de novo, mesmo quando elas já tinham sido feitas antes, pois com o mesmo corte de cabelo, eram todos tão iguais, sendo todos tão diferentes.

Depois foi a entrega das fardas, as botas, e o frenesim de um lado para o outro, sem se saber muito bem o que fazer a seguir, ou para onde ir, a não ser quando alguém mandava para ali, e vinha outro alguém que furiosamente e sem maneiras, perguntava bruscamente e sem modos, “quem te mandou para aí oh seu urso da merda,” percebendo-se muito rapidamente que o melhor era não ripostar ou reagir de qualquer forma, pois era pior a emenda do que o soneto.

Pela primeira vez em muito tempo, ele que não deixava de levar consigo, nos seus pensamentos, para onde quer que fosse, o que quer que estivesse a fazer, com quem estivesse, a sua namorada, a sua amada, a sua princesa, que naquele dia, foi como se não existisse, e isso, se lhe haviam dito antes de pôr os cotos dentro daquele quartel, ele não só acharia impossível, como também, estivesse ele bem-disposto e até se ria da parvoíce de se ter tido essa possibilidade como ideia.

Uma nova realidade se apresentava agora na sua vida. Uma realidade para a qual não estava preparado, ele que pensava, tinha essa mania às vezes, que era uma espécie de mau rapaz, um Bart Simpson à portuguesa, que não deixaria de ser menos malandreco do que o de Springville, mas que, não estava no sítio certo para fazer valer essa condição. Exemplos para clarificar estas palavras não faltariam, mas alguns dão-se como mostra de boa fé, para que se não pense que tudo não passam de exageros, lamentações supérfluas de meninos mimados que pensaram que a tropa era lugar para mariquices, ou mordomias de quem anda mal-habituado com a vida que tem, e à qual nem sequer tem a decência de dar algum valor, ou agradecimento.

Veja-se o caso do Chaves, por exemplo. Moreno de cara, marcas da dureza das muitas manhãs e tardes nos afazeres da lavoura, e não de praias e óleos contra as radiações solares, como errada e injustamente se possa pensar, segurando na mão esquerda a farda numero um, e na direita a farda numero dois, distintas uma e outra pelo propósito a que se destinavam, perguntou a um tenente que por ali passava, de olhar carrancudo, encarando os recrutas como se os fulminasse com aquele mirar pesado e mal-encarado ao mesmo tempo.

– Desculpe meu tenente, qual destas duas fardas temos de pegar agora…?

E o pobre do Chaves, morenaço de cara, como já se constatou, mas dentes mais brancos do que as asas de um anjo, rasgou um sorriso nas faces, quase a tocar-lhe nas orelhas, que mais pareciam duas antenas parabólicas. Presumia-se que da maneira como era orelhudo deveria ouvir a quilómetros de distância, e ficou à espera de que o tenente desmistificasse a dúvida. Recebeu como primeira resposta um soco no estômago, o que fez com que a sua cabeça, quase automaticamente lhe viesse cair ao nível dos joelhos.

– Levante a cabeça, sua besta. Onde pensa que está? Quando falar comigo ponha-se em sentido, sua Amélia… vai pegar na numero dois.

Que era como que dizer, na farda de trabalho. Trabalho? A avaliar pelo começo daquele primeiro dia, estava-se mesmo a ver o tipo de trabalho que se lhes esperava pela frente. O mesmo tenente, dada a resposta, o soco também, continuou a sua andada pela caserna, procurando mais motivos para descarregar as suas frustrações, ou a sua estupidez, ou fosse lá o que fosse, que o divertia bem dentro de si, ao distribuir murros e humilhação por quantos lhe caiam nas mãos, como moscas num prato de mel. Uma dessas moscas, foi precisamente, Balthasar, que como a metafórica expressão deixa transparecer, foi apanhado mesmo sem ter hipóteses de fuga. Estava junto ao armário que lhe haviam dado e que ficava ao fundo da cama, que a partir daqueles três meses de recruta, seria a sua cama.

Depois de meter algumas roupas dentro do dito armário, alguém, para poder passar sem restrições, deu uma sapatada na porta do mesmo, com força suficiente para a fechar logo à primeira. Balthasar deu um salto, assustado com o inesperado soco na porta. Assim que esta se fechou, por trás dela estava o terrível tenente. Sem saber muito bem o que fazer, era o seu primeiro dia de tropa, o primeiro impulso que teve foi pôr-se em sentido e fazer a continência o melhor que sabia. A rapidez com que o fez e ao mesmo tempo a maneira assustada que lhe adveio do estrondo que o soco provocou na porta, e como se isso não bastasse, a aparição das fuças do tenente, por detrás da mesma, resultou a que levasse a mão à testa com mais força do que aquela que pretendia, bofeteando-a de maneira quase embaraçosa. O tenente ficou a olhá-lo por escassos segundos, talvez surpreendido e ao mesmo tempo confuso, com o que acabara de ver, e soltou um grunhido quase repentino.

– De onde é você, soldado?

– De Felgueiras, meu tenente…

– Felgueiras…? E onde fica essa merda?

– Bem, Felgueiras fica… – pensou. Como explicar a este paspalho deste Lisboeta de merda, onde fica Felgueiras? O melhor seria mencionar a segunda maior cidade do país. – Fica a 50 quilómetros do Porto.

O tenente por momentos pareceu ficar pensativo, como quem está a fazer cálculos mentais, mas sem mais delongas, momentaneamente espetou-lhe um soco na boca do estômago e grunhiu por cima da sua cabeça, que havia baixado com o impacto do soco, e a dor que causou.

– 50 Km o caralho sua Amélia de merda.

E continuou o seu caminho com a maior das naturalidades. Estava visto que o tenente tinha poucos conhecimentos geográficos.

Balthasar ficou com a respiração reduzida a quase nada, e a dor lancinante que se lhe espalhava por todo o corpo não era grande coisa, se comparada com a quase momentânea falta de respiração com que ficou, assim que o soco lhe atingiu o estômago. Sentiu os olhos latejarem e o esforço com que batalhava para controlar a pouca respiração que o ainda mantinha de pé, ou melhor dizendo, dobrado quase até aos joelhos, fazia salientar algumas veias na testa, que a juntar aos olhos já inundados de água salgada, bem como a cara quente e vermelha que nem um tomate, lhe dava a sensação de explodir a qualquer momento.

– Cabrão de merda, – pensou para consigo, – filho da puta. Mas isto vem a propósito de quê?

Subitamente as palavras do soldado da porta de armas, assolaram o seu pensamento, rebatidas num cérebro confuso de momento, revoltado e ao mesmo tempo cheio de receios. “- Vão fazer de vocês uns homens…” – E que raio de método tinham eles para isso…

(excerto do capítulo 10…)

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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