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Nanete Neves: jornalismo e literatura como missão

Apaixonada pela profissão que exerce há quatro décadas, Nanete Neves construiu sólida história no jornalismo paulistano, passando por redações de importantes jornais, revistas e televisões. Além disso, atuou como consultora de comunicação em grandes empresas e hoje trabalha como editora e professora em oficinas de escrita.

Autora de Lavoura dourada (2010), sobre a cultura de tabaco no sul do Brasil, O Poeta e a foca (2015), que numa escrita saborosa e sedutora, narra como foi conseguir a primeira entrevista de Carlos Drummond de Andrade para a imprensa, no ano de 1977, em verdadeira aula sobre o jornalismo e seus bastidores, e da novela De âmbar e trigo (2016), que marca sua estreia solo na ficção, participa, ainda, de diversas antologias de contos no Brasil e em Portugal.

Pode nos contar um pouco de sua história e da história de sua família?

Meus pais eram filhos de imigrantes portugueses que aqui chegaram logo depois da 1ª Guerra Mundial, fugindo das péssimas condições de vida em seu país. Em busca de paz e progresso, aqui eles trabalharam duro. Meus avós maternos optaram pelo comércio e o mesmo fez minha mãe, quando se casou com meu pai, em 1949. Abriram um pequeno bazar e papelaria no Alto da Mooca, bairro tradicional paulistano, que foi inteiramente colonizado por imigrantes europeus. Tiveram três filhos, sendo eu a do meio.

Quando o encontro com o universo dos livros?

Cresci dentro da loja, o BiluBilu, ajudando meus pais no balcão. Aproveitando o pé direito muito alto, meu pai construiu um mezanino ali para os filhos estudarem. Quando não havia movimento, eu brincava, bordava ou devaneava, inspirada pelos livros que pegava da estante, sobretudo os da Coleção Jabuti (quem é mais velho vai se lembrar daquelas capas verdes, listradas em bege). Foi assim que muito cedo tomei contato com José de Alencar, Machado de Assis, Monteiro Lobato, José Lins do Rego etc. e com eles aprendi a vivenciar outros mundos.

A quem se deveu a opção pelo jornalismo?

Seu José, o meu pai, era um excelente prosador, o que fez daquele balcão um centro de debates. Ali, discutia-se de tudo. Proativo, logo depois que eu nasci, ele lançou um jornalzinho que pudesse ser a voz dos mooquenses e essa publicação acabou se transformando no primeiro jornal de bairro de São Paulo. Ou seja, fui criada dentro de uma loja que também editava um jornal. Isso me despertou para a escrita e a comunicação. Daí foi bastante natural optar pelo curso de jornalismo na faculdade.

Como era o dia a dia das redações em meados dos anos 1970, quando começou na imprensa?

Nos anos 70, só havia em São Paulo duas faculdades de jornalismo: a Cásper Líbero e a ECA USP. Mas bem no ano em que fui prestar vestibular foi aberta mais uma, a Metodista, em São Bernardo do Campo, na grande São Paulo, que foi onde estudei. E como o curso era novo e havia poucos professores com pós-graduação, tivemos como mestres grandes profissionais de imprensa, o que foi excelente, pois saímos da faculdade prontos a encarar qualquer redação. Naqueles tempos do jornalismo movido a lenha e paixão, muito antes do Google, não havia a pauta como acontece hoje, onde tudo chega “mastigado” para o repórter. O jornalista tinha que ser versátil, ter amplo conhecimento de vários assuntos e dominar alguns idiomas para conseguir trabalhar e se sobressair. Quando éramos escalados para cobrir algo, o chefe de reportagem nos dizia: “Ouvi dizer que está acontecendo algo naquele lugar. Vai lá e se vira!”.

A ideia de entrevistar Carlos Drummond de Andrade, por seus 75 anos, surgiu de que modo?

Meu primeiro emprego na imprensa foi num jornal relativamente pequeno que era semanal e distribuído gratuitamente nas residências dos bairros mais nobres da capital, o Shopping News. Esse jornal publicava todo domingo as crônicas de Drummond, compradas da agência do Jornal do Brasil. Em outubro de 1977, quando Drummond estava para completar 75 anos, sabendo que ele nunca havia dado uma entrevista, o Shopping News resolver fazer uma matéria sobre o poeta e sorteou entre os repórteres aquele que iria ao Rio “conseguir o que pudesse”. E eu, recém-saída do estágio e que era a com menos experiência ali, fui a sorteada.

Com pouco mais de 20 anos, tinha real noção da importância de Drummond na literatura brasileira?

Eu não tinha essa noção. Havia lido um único livro dele, de crônicas, sabia apenas que era um grande poeta, um escritor importante e alguém que toda a vida fugiu da imprensa. Só isso.

Chegar ao poeta itabirano não foi tarefa fácil. Quais os principais percalços para que isso acontecesse?

Eu nunca havia viajado de avião, não conhecia o Rio de Janeiro, nem conhecia ninguém lá. Uma colega de redação me deu o telefone do José Louzeiro (escritor e dramaturgo). Ele me recebeu dizendo para esquecer, que jamais Drummond me receberia. E que só poderia colaborar me dando o telefone de alguns amigos dele. Foi abrindo a agenda e, seguindo a ordem alfabética, me passou os telefones de seis nomes: Affonso Romano de Sant’Ana, Antonio Callado, Antônio Houaiss, Ferreira Gullar, Nélida Piñon e Pedro Nava. Eu podia não saber de toda a importância deles, porém, na hora, reconheci que eram todos muito importantes. Cada um deles me forneceu outros contatos. Então não posso dizer que tive percalços. Tive sim foi muita sorte. Todos foram me contando histórias de Drummond, suas esquisitices. E dessa maneira foram me preparando para o grande encontro com o mito. Digo até no livro que talvez o anjo gauche do poeta tenha me ajudado nessa jornada toda.

Que lembranças mais marcantes guarda do encontro com o poeta de “A Rosa do Povo”?

Me falaram tanto das idiossincrasias do poeta que fui me preparando para me encontrar com um ogro. No entanto, me deparei com um senhorzinho meigo, simpático, acolhedor e interessado de verdade nas pessoas. Tanto que, em nosso encontro em seu apartamento, talvez ele tenha feito mais perguntas a mim do que eu a ele.

Além do encontro com Drummond, que outros momentos vê como relevantes em mais de 40 anos ininterruptos como jornalista?

Na verdade, não foram 40 anos ininterruptos. Depois de haver trabalhado em rádio, jornal, TV e revistas, exerci a atividade de assessora de imprensa voltada para a área cultural, por 15 anos. É uma das funções do jornalismo, só que do outro lado do balcão, como costumam dizer. Isso me abriu muitos contatos no meio cultural e social brasileiro. Depois, ainda dei consultoria de comunicação para grandes empresas. E somente após completar os 50 anos é que voltei aos estudos. Queria me capacitar para trabalhar com o universo do livro que sempre foi a minha grande paixão. Hoje, além de autora, também atuo como editora, faço leitura crítica, dou coach para autores e ainda ministro oficinas de escrita.

Seu primeiro livro, Lavoura Dourada, trata da cultura do tabaco no sul do Brasil. Qual a razão de escrevê-lo?

Fui convidada pelo Sinditabaco – Sindicato da Indústria do Tabaco da Região Sul do Brasil – a escrever esse livro-reportagem, e optei por fazê-lo do ponto de vista dos pequenos agricultores que se dedicam a essa lavoura muito exigente, mas que é de altíssimo rendimento. Pouca gente sabe que a pequena cidade de Santa Cruz do Sul (terra de Giselle Bundchen) e região concentra essa produção que é um dos pilares da economia brasileira e nos coloca em segundo lugar mundial na exportação de tabaco. Até escrevi na introdução desse livro a frase daquela música “O Brasil não conhece o Brasil”, de Aldir Blanc e Maurício Tapajós, gravada lindamentepela Elis Regina.

De âmbar e trigo, novela que marca sua estreia na ficção, narra a trajetória de um casal de imigrantes tchecos que se instala no interior de Minas Gerais, cuja família, com exceção de uma das filhas, de acentuada paranormalidade, perece tragicamente. Como foi o processo de construção da narrativa e por que teor místico atribuído à sua personagem central?

Fui algumas vezes, com uma grande amiga, ao Triângulo Mineiro, passeando entre Araguari e Uberlândia. E me hospedei na fazenda de seu irmão, na pequena Cascalho Rico. Desde que ouvi esse nome, achei-o lindo, com jeito de novela de Dias Gomes. Embora não tenha muita intimidade com benzedeiras, tenho verdadeiro fascínio por elas, adoro tudo o que é fantástico. Penso que a minha cabeça é um pouco fantástica também. Resolvi, então, criar a história de uma benzedeira, a Mãe Nenê, situando-a naquela região tão mística e que conheci tão bem. Comecei a escrever esse texto e quando ele estava ainda no começo, inscrevi-o para o ProAc (Programa de Apoio à Cultura do Governo do Estado de São Paulo). Não fui selecionada, mas fiquei entre os primeiros suplentes. Isso me incentivou a continuar a escrevê-lo. Como definitivamente tendo mais para o texto curto e enxuto (tenho alunos que brincam, me chamando de “tesourinha”), ele acabou ficando com as características e o tamanho de uma novela (algo entre o conto longo e o romance). Foi um grande prazer desenvolver esse texto e um privilégio ser a segunda novela da coleção Quimeras, da @Link Editora.

Algum conselho aos jovens que hoje se iniciam no jornalismo?

Hoje o jornalismo que se faz é completamente diferente daquele de quando comecei, me parece mais congelado e técnico apenas. Escrever O Poeta e a foca, mais do que um grande exercício de memória, foi reviver a garra com que defendíamos a pauta naqueles tempos. Gostaria que esse espírito contaminasse não apenas os aspirantes ao jornalismo, como todos os jovens iniciando outras carreiras. Ele fala de trabalhar com paixão, vencer obstáculos. Só quem consegue o que era tido como impossível sabe o prazer que é isso.

E àqueles que pretendam se dedicar à ficção, o que dizer?

Seja produzindo ficção como não-ficção, digo sempre que não existe escritor sem leitura, mas leitura boa e atenta aos detalhes. É a qualidade de repertório mais a prática constante que vão construir o tal do “estilo pessoal”. Ao ler os grandes mestres aprendemos com eles as saídas e as diferentes formas de caminhar com a narrativa. Afinal, a arte não está na história. A arte está no texto, na maneira de contar. Grandes histórias podem render livros medíocres, e fiozinhos de histórias, obras que nos encantam pela qualidade da narrativa.

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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