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Mundo entre quatro paredes

Decidi fazer Erasmus quando comecei a ter algumas noções do mundo e a ganhar consciência do que queria vivenciar enquanto estudante. Talvez devido a experiências próximas que me foram transmitidas ao longo da minha formação até à idade adulta, desde cedo despertei um grande interesse por me informar acerca de outras culturas, entender as sinergias e os comportamentos que levavam a que fossemos qualificados enquanto povos.

Na realidade, uma das grandes questões que me coloco prende-se com a divisão cultural. Passando a exemplificar, uma pessoa que cresça em Portugal, será um Europeu do Sul. Só esta expressão, sem mais nada, permitirá imediatamente a quem a ouve retirar uma panóplia de conceções que se transmitiram ao longo dos séculos, que o diga o Presidente do Eurogrupo. Por outro lado, bastava essa mesma pessoa ter nascido uns quilómetros abaixo, em Marrocos, e seria um Árabe do Norte de África. Não é preciso ser historiador para se perceber que, provavelmente, as características distintas alocadas a cada uma das personalidades, serão em maior quantidade do que os quilómetros que as separam. Porém, sem nenhuma prova concreta do que refiro, apesar de culturalmente serem colocados em grupos distantes, individualmente seria bastante provável que estes dois seres encontrassem mais pontos de união do que de divisão.

Quando me mudei para o Luxemburgo vim viver para uma Residência de estudantes universitários onde, pasme-se, sou o único português. Provavelmente, deve ser o único edifício em Esch-sur-Alzette onde, antes de eu chegar, não havia ninguém com algum tipo de ligação a Portugal. Como deve calcular, em quase vinte pessoas, as culturas, os países de origem e os hábitos são estrondosamente dispersos. Coisas tão simples como horários de refeições, variam com amplitudes de três ou quatro horas.

Estando há dois meses inserido neste espaço de intercâmbio cultural, posso referir que não me lembro de ouvir alguém dizer que tinha uma relação mais próxima com uma das outras pessoas simplesmente porque são de países vizinhos, ou de regiões com os mesmos ideais políticos ou religiosos. Na verdade, as características individuais de cada um ditam as aproximações. Isso e as circunstâncias terão, pela minha curta amostra, mais preponderância no momento de nos aproximarmos de alguém do que saber se a pessoa provem da África Subsaariana ou do Médio Oriente.

Falando do meu caso, um Português sem qualquer tipo de afiliação política ou religiosa e com a desportiva emocionalmente moderada, as relações que vou fortalecendo aqui estão muito mais dependentes da coincidência com que me cruzo com alguém regularmente nos espaços comuns do que propriamente com o seu país de origem. Após essa primeira aleatoriedade, o segundo fator que fará alguém aproximar-se de outrem será, provavelmente, os temas de conversa que possam partilhar. Note, claro está, que gostar de temas comuns não é o mesmo que ter opiniões comuns. Quanto a mim, acho bastante mais estimulante que alguém goste dos mesmos assuntos que eu mas, em contrapartida, discorde de mim em todos eles. Essa será a diferença entre uma troca de palavras de cinco minutos e uma agradável e pedagógica conversa que se prolongue noite dentro.

Ao longo de anos, como já referi, sempre me questionei acerca dessa premissa. Quando lia acerca de povos e da forma como, um pouco por toda a parte, guerras se vão disseminando entre culturas, questionava, de uma forma um tanto infantil, o que aconteceria se colocássemos uma pessoa de cada um dos lados do combate numa sala para se conhecerem. Iriam lutar até à morte ou conversar até adormecer? Por muito redutora que a colocação do caso nestes termos possa parecer, é precisamente essa microexperiência que se vive quando estamos numa residência com pessoas com históricos tão discrepantes. Após estes dois meses, a minha resposta a esse exercício mental não está totalmente estruturada e suspeito que nem que vivesse aqui o resto da vida iria estar. Porém, o que me parece é que a hipótese do diálogo seria bem mais provável do que o da luta sanguinária. Quanto mais não seja, porque ninguém se iria dar ao trabalho de gastar tanta energia e colocar a sua vida em risco apenas para calar alguém com quem, no máximo, não se identifica. O mais provável, caso não encontrassem pontos de contacto, seria ignorarem-se mutuamente.

Poderá o leitor dizer que essa reunião entre os dois lados da discórdia já acontece diversas vezes entre chefes de Estado e sempre proporcionadas, talvez patrocinadas seja a palavra mais correta, pelas superpotências mundiais. Se pensou isto, então, não entendeu bem o que eu escrevi. O que eu sugiro no meu exercício não são reuniões de negócios onde, nos intervalos, para desanuviar, se joga xadrez humano. Não. No meu exercício utópico essas reuniões aconteceriam sem interesses obscuros, sem tentativas de controlo económico e sem ninguém a ganhar algo com a discórdia dos outros. No fundo, sugeria que as peças de xadrez se movimentassem sozinhas. Enfim, coisas que só acontecem em livros de magia.

Não estou com tudo isto a tentar fazer parecer que não existem nunca problemas e clivagens. O que quero demonstrar é que esses pontos de confronto irão eventualmente surgir com o desenrolar da ação e não como ponto de partida da mesma. Aqui, na minha habitação temporária, existirá eventualmente gente que não se relaciona, no entanto, isso será por motivos posteriores a terem estabelecido um contacto e nunca por se recusarem a contactar.

Nesta residência, como em todas as outras por esse mundo fora, poderá ser possível um palestiniano e um israelita partilharem a sala, bem como um curdo e um turco dividirem a cozinha.

No fundo, talvez o mundo fosse um lugar melhor com mais grupos de 20 destes e menos dos outros.

 

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