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Memόrias das férias em Lisboa

As prometidas férias, mas acima de tudo, os prometidos dias de praia, como uma espécie de terapia para a sua palidez e estatura franzina, finalmente chegavam, e apesar de tudo ainda tinha uma semana para poder desfrutar do sol da Caparica, que iria ajudar com certeza a tonificar a pele que tanta falta de cor tinha, e o mar para lhe abrir o apetite, não existindo na medicina da época, melhor remédio.

Vindos da praia, com os dias grandes que o verão sempre proporciona, acompanhava o Primo João pelas ruas da cidade, onde ele servindo de seu cicerone o levava para os sítios mais conhecidos e lhe apontava este ou aquele pormenor que ele conhecia de ouvir falar, mas nunca presenciara pessoalmente, como a avenida da Liberdade, a fonte luminosa, o largo de Camões, o Martim Moniz, o largo do Rossio, entre muitas outras coisas. Às vezes já com os pés doridos e cansados de palmilhar as ruas da cidade, o João, escolhia a parte mais fresca de uma qualquer esplanada, e ali se sentavam por um bom bocado, recarregando energias e ganhando forças para chegarem a casa. Quando Balthasar o questionava porque se sentavam na esplanada do café se não tinham dinheiro para consumir, o primo na descontração natural de citadino, respondia-lhe que se deixasse de preocupações desnecessárias.

– Já vais ver…

E assim que avistava o empregado, que parecia gingar por entre as mesas da esplanada, sempre tão atento e eficaz aos pedidos dos clientes da mesma, balançando na ponta dos dedos a bandeja que nunca deixava cair, pedia um copo de água e quase simultaneamente perguntava onde ficava a casa de banho.

Naquela época em que uma rua de Lisboa tinha mais movimento do que todo o concelho de Felgueiras, Balthasar era ali, sem dúvida alguma, o mais acanhado, o maduro que vinha lá da província do Norte, e que pensava que para utilizar a casa de banho de um café, era obrigado a consumir para justificar o papel higiénico que gastava, ou a água que desperdiçava ao puxar o autoclismo. E então se tem a displicência de pedir um copo de água, mais do que um abuso, é um desafio. Por isso lhe surpreendia que muito prontamente o empregado levantasse o braço na direção da casa de banho, e com o dedo lha indicasse, enquanto se apressava a ir buscar um copo de água.

– Um copo de água ninguém te pode negar.

Dizia o João com um sorriso nos lábios, ciente que acabara de dar mais uma lição citadina ao primo.

Mais tarde Balthasar experimentaria o método, já na sua terra, e funcionava da mesma maneira. Afinal quem não fala Deus não ouve. Certo estava o Primo João quando afirmava que água ninguém lha poderia negar, ou levar dinheiro por um copo dela, se esta fosse com a intenção de matar a sede, esqueceu-se foi de acrescentar que a acompanhar esse copo de água poderia vir também uma côdea de pão, pelo menos a acreditar nos dizeres de algumas pessoas lá da terra que afirmavam – “Olhe oh patrão, uma côdea de pão e um copo de água não se nega a ninguém, está-me a ouvir?”

Depois de carregadas as energias, aliviadas as necessidades fisiológicas, o João escolhia um dos prédios mais altos da zona, e assim passavam o resto da tarde, a subir e a descer no elevador, desde o rés-do-chão ao ultimo andar, do ultimo andar até ao meio, do meio para baixo, de baixo para cima, até que… quando chegavam de novo ao rés do chão, ao saírem do elevador havia quase sempre um aglomerado de pessoas impacientes que os fulminavam com o olhar, e alguns não se contendo, manifestavam o seu descontentamento com palavras de pouco agrado… – fedelhos pá… mereciam que lhes esticassem as orelhas.

Compreendia-se o nervosismo destas pessoas, não só porque tinham que esperar impacientemente que o elevador respondesse à chamada, enquanto eles se divertiam…- agora para o 7, e…upa, agora carrega lá para o 3…de foguete para o 8…, mas também porque, ao saírem do elevador e constatarem que se formara um agregado de pessoas nada satisfeitas com a espera, lhes lançavam um sorriso, que para eles era de sarcasmo à mistura com embaraço, mas para elas, seria mais um sorriso aparvalhado, tudo porque, estavam com estados de espirito diferentes…

Chegados a casa contavam à Paulinha as aventuras pela cidade, e ela lá os repreendia com… – eh pá, mas vocês são parvinhos…?

Mas não conseguia disfarçar um sorriso que lhe traía o ar sério com que os queria repreender…

– Então e o porteiro lá do prédio não vos disse nada?

– Se havia porteiro nós não o vimos…

E acabava sempre por auferir mais informações acerca da aventura, querendo saber como reagiram as pessoas, o que lhes disseram e o que lhes responderam eles, e porque artes do diabo foram eles parar àquele prédio, se nada tinham para lá fazer muito menos ninguém para visitar. E acabava sempre por se entregar à gargalhada, partilhando com eles as partes mais engraçadas da historia e que a ela mais divertia.

Entre estes passeios pela cidade, as visitas a casa dos outros tios, especialmente o tio Manuel, o mesmo que enviara pela mãe de Balthasar, todos os livros e discos que viriam a despertar em si o gosto pela musica e pela leitura, o tio preferido de todos, até porque esses todos já tinham uma tia favorita, não será de admirar que tivessem também um tio favorito, as idas à Costa da Caparica, para a casa de praia que ficava a poucos minutos do mar, e por eles esperava para os albergar sempre que a intenção não era regressar a Lisboa no mesmo dia, as visitas do tio Otílio e da tia Fernanda, que vinham quase de propósito para os presentearem com um saquinho de figos, bem grandes e madurinhos, colhidos no quintal da casa de Paio Pires, lá se esfumavam as férias.

(excerto do capítulo 4 do livro…)

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