Deste modo, proponho uma análise destes impactes sobre a saúde e particularmente sobre a saúde mental dos imigrantes. O reconhecimento dos fatores de risco e apresentação dos fatores protetores, que subsistem em medidas/soluções que minimizam e/ou neutralizem esses impactes.

O que é a Migração? 

O fenómeno da migração, assim como a emigração e a imigração, são bastante complexos, remetendo a alguma variedade de conceituação.

Considera-se migração, o deslocamento, temporário ou definitivo, que implica a mudança de residência de um país para outro ou, dentro de um mesmo país, de uma região para outra (IBGE, 1969). O emigrante é aquele que deixa seu país ou região e assim é chamado por aqueles que permaneceram em seu local de origem. O imigrante, por sua vez, pode ser o mesmo indivíduo, mas agora protagonizado por aqueles que se situam no novo local em que estabeleceu a nova residência.

Imigração e Saúde Mental: os cuidados de saúde

Ao nível europeu, a situação de saúde mental dos imigrantes e dos grupos étnicos minoritários é considerada pior do que a do cidadão europeu médio. As investigações e os indicadores de saúde disponíveis, indicam que os migrantes apresentam maior vulnerabilidade a doenças (por exemplo: as infeciosas, como sejam a tuberculose, VIH/SIDA e hepatites, entre outros problemas de saúde). Também as investigações na área da saúde reprodutiva apontam para a existência de piores indicadores de saúde associados à população migrante. Nomeadamente à mortalidade perinatal, baixo peso à nascença e menor utilização de métodos contracetivos.

A declaração de Amesterdão; The Amsterdam Declaration Towards Migrant Friendly Hospitals in an ethno-culturally diverse Europe; que refere que os imigrantes não recebem cuidados de saúde ao mesmo nível do que a média da população, em termos de diagnóstico, tratamento e serviços preventivos. Além disso, os serviços de saúde não são suficientemente recetivos às necessidades específicas das minorias. Uma vez que os profissionais de saúde, não possuem preparação cultural adequada para se relacionar com pacientes provenientes de outros contextos.

Especialmente em campos como a psicologia e a psiquiatria onde o encontro terapêutico é mediado pela palavra que veicula uma realidade vivida e experienciada num contexto sociocultural, relacional e ambiental distinto.

As sondagens europeias efetuadas pela equipe do projeto europeu COST Action “Health and Social Care For Migrants And Ethnic Minorities In Europe” trabalhando sobre serviços de atendimento psicológico para imigrantes em Portugal, sublinham a alta percentagem de mal-entendidos entre profissionais da saúde e pacientes. Mesmo quando estejam presentes mediadores linguísticos. E realçam como o uso da categoria “imigrante”, proposta nestes programas terapêuticos, homogeneíza experiências e vivências que podem ser completamente diferentes.

Migração e saúde mental

As condições particularmente duras da migração contemporânea, são consideradas como propícias a um aumento exponencial de psicopatologias. Deixar o local de origem pode levar ao distanciamento das próprias raízes, e estabelecer-se em nova terra implica profunda mobilização psíquica e emocional.

A migração pode ser voluntária (propósito de vida) ou forçada (por motivos políticos, ideológicos/ religiosos ou económicos). Bem ou mal sucedida, e neste caso o sofrimento é acentuado. Contudo, em ambos os casos, há pelo menos dois processos psicológicos fundamentais que se interrelacionam:

  • A elaboração da perda. Separação da família, do conjugue e dos filhos (por vezes), dos amigos, da casa, da língua, da cultura, do contacto com o grupo étnico e religioso, da posição social e da própria identidade;
  • O fenómeno da aculturação.  Des/encontros culturais e relacionais, de negociação, de rejeição, de integração de fatores que se articulam com o sentido da vida.

O imigrante é alguém ‘suspenso entre dois mundos’ proveniente de um local no qual possuía ligações, afetos, uma posição social específica, e de um contexto social e histórico denso de significados. Esta cisão, por vezes, impele à fragmentação ou despedaçar da sua identidade, própria de quem passa pela experiência da migração, resultando em sofrimento psíquico, físico, emocional, que se manifesta através de sintomas (depressivos, de ansiedade, crises de pânico, dissociação, stress pós-traumático, etc.).

A imigração implica uma deslocação geográfica. Uma experiência biográfica de rutura e de descontinuidade, entre a qual se consubstancia o sofrimento do imigrante, entre o ‘ser’ e o ‘estar’. Nem em fusão, nem em oposição aos espaços territorializados das pertenças e respetivas memórias, e do processo do qual surge uma nova configuração identitária. Há um deslocamento e experiência simultânea, um emigrante é também um imigrante!

Aquele que migra deve demonstrar continuamente a sua inocência. Quer face à sociedade de origem que muitas vezes o considera um fugitivo ou um traidor, quer face à sociedade de acolhimento que o vê como um intruso. Sabe que para ser tolerado não pode incomodar, nem contestar, ou objetar. O seu espaço é o da invisibilidade social e moral.

Um aspeto adicional que acresce o sofrimento dos imigrantes, é serem provenientes de países outrora colonizados, e muitas vezes residentes (e hospitalizados) nos países que foram colonizadores, e vice-versa. Uma ligação histórica dolorosa e difícil, uma verdade que é geralmente omitida, mas que emerge através do sintoma, da linguagem do corpo que o sofrimento.

Liliana Pena, WeCareOn

Paula Ribeiro, WeCareOn