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Anália Timbó: a dança como engajamento e transformação

Bailarina, coreógrafa e diretora, a cearense Anália Timbó, fundou, em 1981, a Associação Vidança, voltada para a arte-educação, pesquisa, criação e ensino da dança para crianças e jovens, na periferia de Fortaleza.

Ao longo de mais três décadas, formou diversas gerações de bailarinos e dirigiu espetáculos, cujo eixo sempre se pautou pelo que de melhor há em nossa cultura popular.

Como surgiu seu interesse pela dança e como se deu sua formação?

Quando eu era criança, estudava num colégio de freiras e costumava ficar nas copas das árvores de castanhola. Ficava olhando as nuvens e imaginando vários movimentos, imagens. Na hora dos intervalos, eu fazia apresentação, dançando e fazendo as figuras das nuvens. Imitava a Wanderléia. Tenho algumas lembranças de danças, de quadrilhas. Fazia as danças da igreja, do colégio. Eu queria ser artista. Meu pai trabalhava no DNOCS, construindo açude pelo interior do Ceará. Eu nasci em Araras, onde está localizado o segundo maior açude do estado. Depois fomos para Morada Nova e, finalmente, para Fortaleza, onde fomos morar nas Goiabeiras, que hoje é a Avenida Leste Oeste, nas proximidade do Sesi. Eu, como irmã mais velha, matriculei meus irmãos mais novos lá no Sesi. Fizemos o teste e passamos. Nós tínhamos tudo gratuito e eu fazia balé e teatro, além de ter integrado a Orquestra de Cordas do Sesi, na qual me iniciei no contrabaixo. No entanto, as minhas grandes paixões eram mesmo o teatro e dança.

Quais foram seus maiores mestres?

Meu maior, primeiro e único mestre no balé foi o professor Dennis Gray, que era professor do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e seu primeiro bailarino. Ele foi meu mestre e orientador. Cuidava da gente como um pai. Ele dava conta de como deveríamos nos vestir. Se usássemos roupa decotada ou calça modelo cocota, aquelas com cintura baixa, em que se mostra o umbigo, que na época era moda, ele mandava voltar e trocar de roupa. Eu ganhei uma calça jeans usada e minha mãe, que era costureira, reformou e fez uma calça cocota, boca de sino, e fui toda feliz ao balé. Quando o professor me viu, me mandou voltar e trocar de roupa. Minha casa era longe e eu ia a pé. Voltei, troquei de roupa e só deu tempo de fazer a aula da noite. Eu fazia aula à tarde e à noite. E muitas vezes faltava ao colégio para ir ao balé. Foram quatro anos, nos quais eu e meus irmãos realizamos o sonho de dançar. Francisco Timbó, que conquistou o título de primeiro bailarino do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, fez a sua formação na escola do Maurice Béjart. Francisca Timbó, que foi do Ballet Stagium, de São Paulo, durante 15 anos. E depois da Companhia Victor Navarro. E Socorro Timbó, que também iniciou no SESI e ficou aqui no Ceará, pois era ainda muito criança, montou comigo o Grupo Vidança, no qual ainda é professora e bailarina, embora tenha passado uma temporada no Rio. Ainda no Sesi, eu fazia teatro com o diretor Ivonilson Borges, que foi meu professor e de quem acabaria sendo assistente. Assim fui vivenciando o universo das artes e fazendo minha formação. Eu era uma adolescente que queria ser artista e encontrei no Sesi, em 1974, todo e apoio. Aprendia tudo de graça e depois acabei sendo contratada pela instituição. Primeiro para o teatro. Depois, quando acabou o convênio com o Sesi nacional, todos os professores contratados, vindos do Rio de Janeiro e os daqui do Ceará, foram demitidos. Entretanto, alguns meses depois, foram readmitidos os que eram de Fortaleza. Então, eu passei de monitora do teatro para professora de dança e trabalhei lá durante 23 anos. Dava aula para 160 crianças e jovens, filhos de operários da comunidade.

E a idéia de criar o Vidança, de onde veio?

A história da Associação Vidança se confunde com a minha história pessoal e começou em 1981. Nosso primeiro espetáculo foi Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira. Éramos jovens e não tínhamos dinheiro. Fazíamos pedágio na Praça Portugal, na Avenida Abolição e na Praia do Futuro. Nas festas juninas do Sesi, montávamos barracas e com o dinheiro arrecadado comprávamos material para produzir cenários e figurinos. Desse modo, passei a construir minha história coletiva. Fixamos nossa sede no bairro de Vila Velha e foram as histórias e as lutas daquele bairro que nos formaram, nos mostraram que na escuta daquelas pessoas poderíamos caminhar.

Nas três décadas de atuação do Vidança em bairros periféricos de Fortaleza, que balanço é possível fazer?

O Vidança foi criado como um modo de vincular o corpo de baile, como assim se chamava, constituído por seus bailarinos e bailarinas, a partir de uma vocação inegável para a educação através da dança. Buscar compreender nossa tarefa social, através da educação de crianças e jovens da periferia da Barra do Ceará foi também viabilizar que nosso amor pela dança se transformasse em compromisso social e tarefa coletiva. Passamos a compreender o ensino de modo mais complexo. Somos uma escola de pesquisa, criação e ensino da dança e estes aspectos entrelaçam-se num mesmo manancial de realidades artísticas convergentes. Como pesquisa, temos nosso olhar continuado para as danças dramáticas. Estudamos o boi e sua extensa malha de tipos humanos e bichos; o coco como dança e saber codificado do corpo interiorano e serrano nordestino; o maracatu, como dança afrodescendente, que se reinventa esteticamente. E trabalhamos cada modalidade de dança como saber corporificado por séculos. A cada espetáculo, as complexas linguagens artísticas que a ele se entrelaçam, como figurino, adereços, música cênica, dramaturgia, coreografia e sentidos que se concretizam por meio dessa vivência, são trabalhados coletivamente. Encontramos também na capoeira, dança e luta extremamente codificada, rica como acervo de saber dos povos afrodescendentes, imenso aprendizado, assim como nas horas de feriar, nos folguedos e brincadeiras dos quintais. E com isso expandimos nossa experiência, contando com a contribuição das mães da comunidade, que se destacam trazendo suas criações viso-manuais para os temas dos espetáculos, com suas cores, seus modos de sentir e suas matrizes de pensamento artístico e cultural. Desse modo é que foi um marco para a Escola de Artes e Ofícios do Vidança o trabalho com a busca dos movimentos do mangue. Buscando, primeiramente, ver noutro mangue, o de Fortim, o movimento do merol, folguedo das marisqueiras ou mulheres pescadoras e da própria apanha dos caranguejos, fomos adquirindo o estranhamento necessário, capaz de nos possibilitar olhar para o mangue de Vila Velha e sua história com novos olhos. Fizemos um movimento de pesquisa de movimentos e gestos do mangue de Vila Velha, criamos os espetáculos Mangue, Memórias da Pele e Terreiros de Sol e Lua, nos quais todos nós passamos a rever nosso cotidiano com novo olhar, transmutando-o em arte. Outro momento importante foi o que resultou no espetáculo Catu Macã: Guerra Bonita e que significou um debruçar-se sobre os nossos referenciais culturais, como os cortejos e o maracatu. Foi um marco, porque abriu um novo caminho estético e, por outro lado, no aspecto da dramaturgia, da coreografia, estamos agora a iniciar um quinto movimento que também é um novo marco para nós, o trabalho que chamamos de percursos biográficos e que envolve a busca dos gestos e símbolos, das cenas e do imaginário de cada partícipe do Vidança, para compormos a vida cotidiana da periferia, matriz das histórias que dão corpo ao espetáculo Histórias de Acordar o Amanhã. Nesse percurso de criação, trazemos os possíveis cênicos, as possibilidades de contar histórias do lugar que levem às pessoas vontade de viver e de projetar o futuro.

Além da dança, quais as outras atividades da Escola de Artes e Ofícios Vidança?

Tentarei sintetizar os nossos principais programa: a Escola Vidança é uma escola de pesquisa, criação e ensino da dança, de arte-educação e cidadania através da dança e de seu ensino. É um trabalho de ensino da dança às crianças e adolescentes da Barra do Ceará, bairro periférico situado em região de mangue. Na tentativa de incorporar as referências populares do lugar, implantamos em 2000 um grupo de ensino de capoeira, cujo curso é ministrado por monitores da própria comunidade. O curso alcança os adolescentes que se voltam para a arte da dança e música, dentro dos cânones da capoeira e da percussão. As mães das crianças recebem cursos específicos que envolvem os fazeres práticos da composição de espetáculos, uma vez que a tradição primeira do lugar remete as mulheres para as artes manuais e viso-plásticas. Todavia, temos atuado com as mães e adultos vinculados a estes adolescentes com cursos de consciência corporal, proporcionando-lhes momentos de vivência em dança mediados pelos próprios adolescentes e crianças. Com os adolescentes criamos, em 2002, um grupo especialmente voltado ao ensino da percussão com os jovens que não queriam se envolver com a dança. Ressaltamos o caráter intergeracional de nossa ação educativa, uma vez que incluímos os vínculos adultos das crianças e adolescentes com os quais trabalhamos em uma estrutura participativa e modular, usando material reciclado nas aulas de criações manuais voltadas para a confecção dos figurinos. A Barra do Ceará é um dos bairros mais violentos e pobres de nossa capital, mas sua produção cultural mostra pujança e riqueza incomuns. A idéia que temos é a de que o trabalho com dança envolve uma abertura para a expressividade em outras linguagens que resultam por auxiliar nos espetáculos e compõem a própria formação geral na arte da dança. A Escola de Artes e Ofícios Vidança desenvolve um trabalho voluntário, ministrando aulas de balé clássico, danças dramáticas, laboratório de criação coreográfica, dança criativa, alongamento, consciência corporal, criações viso-manuais, criações literárias, capoeira, hip-hop, percussão e carpintaria, atendendo a crianças e adolescentes. O Tambatuque do Vidança é um grupo de percussão formado por crianças e jovens e busca expansão expressiva do processo de formação em arte. Aliamos arte a ofícios, daí o acréscimo do ensino da carpintaria aos nossos jovens. A biblioteca comunitária é a culminância de nossa ação cotidiana que instaurou as práticas leitoras como hábito no Vidança, ocupando parte do horário de todos os que ensinam e dos que fazem sua formação em dança. Acalentamos o desejo de que, futuramente, nossa biblioteca sirva a toda comunidade do bairro em que atuamos. A contação de histórias e os cortejos nas calçadas são ações que desenvolvemos como parte de nossas práticas leitoras, pois elas envolvem um diálogo entre literatura e dança, música, percussão e cena teatral. Os Retalhos da Vida, grupo intergeracional, promove encontros e propicia a troca dos saberes entre as gerações, como forma de fortalecer os vínculos familiares e afetivos das crianças, adolescentes, jovens e adultos, visando sempre elevar a auto-estima de todos os envolvidos. E para selar o compromisso com a comunidade, desvela-se como descoberta pessoal e fortalece os grupos que constituem o todo do Vidança. O Vidança Novas Mídias trabalha as linguagens de fotografia, vídeo e inclusão digital, permitindo que as crianças e adolescentes tenham novos olhares e formas quanto às suas vidas e os lugares que ocupam. O Núcleo de Formação e Profissionalização Vidança envolve, portanto, todas as ações que mencionamos.

Como vê o papel da mídia no campo da difusão de nossas raízes culturais? Será que conhecemos verdadeiramente nossas matrizes?

A cultura popular brasileira ainda é pouco difundida. Aqui na Vidança trabalhamos com as crianças a cultura popular local, dando ênfase às raízes do bairro que parte do mangue. Para construir nossos espetáculos, nos inspiramos nos movimentos retratados pela cultura local, reinventamos nossas referências esteticamente, capturando movimentos que são laborados para compor nossa estética própria, levando para o palco o movimento do mundo de perto, de nosso cotidiano, além das danças dramáticas e dos folguedos populares, assim como o trabalho com as referências contemporâneas, que é particularizado em nosso fazer como algo nosso, que deve ser reinventado. As mídias são um modo de fazer os jovens e as jovens conhecerem os meandros da representação visual, da cultura visual com suas possibilidades e conflitualidades. É desse modo que a produção da imagem e da palavra, feita de modo pessoal e virtual, mas também como ensaio de novas formas de expansão expressiva, por meio das mídias, comparece, sobretudo como forma de compreensão do uso educativo das redes sociais.

Há o devido espaço para a cultura regional de qualidade nos grandes veículos de comunicação?

Ainda se ensaia essa vertente. Isso exige mais criticidade e o caminho para chegar a ela já estamos a trilhar. No Vidança começamos por permitir o domínio da linguagem visual, levantando a cultura visual dos jovens e das jovens envolvidos nessa modalidade expressiva e então vamos, aos poucos, problematizando o que se vê. Discutimos o que constitui nossa cultura visual, de modo a gerar senso crítico com relação a ela. O trabalho com as redes sociais, com a informação, é estimulado como espaço cultural a ser estudado, problematizado em suas potencialidades. E à medida que nossas produções artísticas evoluem, trazemos as novas mídias. Como se a gente pudesse fazer ver “por dentro” a produção da imagem como produção de leituras de mundo, mas também de simulacros e alienação.

O eixo economicamente mais rico do país continua a ditar as regras?

Não se pode deixar de perceber toda a mudança produzida no contexto mais recente da história da cultura brasileira, a política que resultou na implantação dos Pontos de Cultura, por exemplo, como uma forma de democratização dos recursos destinados ao trabalho com arte e cultura. Nesse sentido, é como se a passagem do cantor e compositor Gilberto Gil, pelo Ministério da Cultura, tivesse tido o efeito de pulverizar sobre o país pequenos recursos que, no entanto, provocaram resultados enormes, quando consideramos que os trabalhos financiados valorizaram a cultura local, os modos de ser dos vários povos espalhados desde as periferias dos centros urbanos, aos rincões mais distantes. E isso tudo a despeito da burocracia com que ainda se reveste a devolução do dinheiro público ao seu mais legítimo destinatário, o povo. Ainda temos demandas institucionais que não se coadunam com a real situação dos grupos que terminaram por poder acessar esses recursos. Dizer isso, no entanto, não nos exime da percepção de que onde se concentram os recursos econômicos, se concentram também aqueles que os acessam com maior facilidade e em maior quantidade.

Os resultados alcançados pelo Vidança provam que podemos começar a mudar as desigualdades sociais existentes em nosso país, que ainda ostenta a oitava pior distribuição de renda do mundo. Tem alguma explicação para o fato dos governos ainda agirem de modo tão tímido ou mesmo omisso para eliminar a exclusão social de imenso contingente de brasileiros? A arte não teria um papel importante neste sentido, assim como o esporte?

Temos motivos para ter esperanças, pois o país adentra um momento de democracia participativa singular e adentra ativamente, criando novas políticas públicas que fazem avançar suas possibilidades efetivas de transformação da exclusão social de imenso contingente de pessoas. A arte tem um papel importante neste sentido, já que possibilita novas leituras dos possíveis, da esperança. E aponta caminhos, ao valorar todo o acervo cultural que temos. Mas para consolidar, para dar concretude a esses possíveis e para poder ver as utopias se transformarem em realidade, é preciso muita organização por parte da sociedade. E nós, do Vidança, estamos trabalhando nesse sentido, quando nos inserimos numa comunidade de periferia de um grande centro urbano como Fortaleza e, a partir , fazemos conexões entre o particular e o geral, entre o local e o global, entre as subjetividades e a realidade enquanto possibilidade de transformação.

Como se dá a gestão do Vidança? Sensibilizar possíveis patrocinadores para seus projetos tem sido algo fácil?

A gestão da Vidança se dá conforme os projetos são aprovados. Os projetos são ganhos através de editais que contemplem a área de atuação da Vidança. Sensibilizar os patrocinadores não tem sido tão fácil, pois além de buscarmos os patrocinadores, precisamos aprovar projetos com alguma lei de incentivo fiscal, o que torna o processo um pouco mais lento, uma vez que existe todo um movimento, uma série de etapas para a aprovação dos projetos. Nosso desejo maior seria conseguir a aprovação de um projeto de manutenção do Vidança, para que o que fazemos ano a ano não sofra períodos de interrupção e mudanças no tipo de financiamento, o que gera saídas de jovens que poderiam ficar no grupo e ainda faz com que se desencantem com a profissionalização em dança.

O que dizer sobre o sucesso do premiado Esquadras?

Durante mais de 30 anos trabalhando com crianças e adolescentes da Barra do Ceará, trecho do encontro do rio Ceará com o mar, onde começa a própria história de nosso estado, voltamo-nos para o cotidiano e as alegrias, mas também para as singularidades das lutas da população que vive no mangue. Nossos trabalhos são sempre voltados para danças dramáticas, como o maracatu, o coco, o reisado e os rituais indígenas dos Tremembé (povo indígena do Ceará, da região de Almofala): a aranha, a bulieira e o torém. Buscamos elementos preciosos para, então, “descolando” do real, ficcioná-los, mantendo nosso olhar e essência artística, enquanto criadores, sem deixar de nos alimentarmos dessa seiva profunda que é nossa cultura popular, mas laborando-a esteticamente. Ao pensarmos Esquadras, nós buscamos, na dança, os passos, os dramas, as vozes dos cantos e contos dos mestres e brincantes das quadrilhas, flagrando-as em seu diálogo com nosso sentir, nossa pele e corpo em movimento e dança. Assim é que nos debruçamos sobre os gestos e as histórias das vidas do lugar, o cotidiano dos ensaios dos grupos de quadrilhas, do fazer das fantasias, os sonhos e lembranças desses brincantes e mestres, as formas do trabalho comum e o repassar para os filhos a relação amorosa, como também o cuidado com a vida do bairro, as festas da igreja, sempre tão manifestos nos saberes cênicos do povo. Pensamos, com isso, dar continuidade e aprofundar a linha de trabalho que tem caracterizado nossas vidas. As quadrilhas se fazem em meio a festas de santos, quermesses, encontros populares, onde o sagrado e o profano se misturam. Pode-se dizer que as quadrilhas envolvem a mesclagem do profano e do sagrado na vida de todos nós. São festas populares que acontecem durante o mês de junho, que comemoram o São Pedro, o São João e o Santo Antônio. A ideia de quadrilha nos remete à ideia de esquadras, de onde vem sua etimologia. Refere-se, essencialmente, a um coletivo que combate, que viaja. E traz seu circo de alegria, acenando com o amor, para ir embora, mas, no outro ano, retornar, talvez. Na verdade, quadrilha, no nosso enfoque, é a armação da própria história amorosa de todos nós. Cheia de amores fugazes ou de fogueiras, triângulos amorosos, trocas repentinas de destinos afetivos e, por fim, as grandes fileiras, como esquadras, unindo todos a um velejar comum pela vida. É na tentativa de realizar elaborações a partir dessa riqueza temática, expressiva e cênica em dança, evidenciada pela quadrilha popular, que pensamos realizar o espetáculo Esquadras. Pensamos que a matriz cênica, expressiva das quadrilhas, nos fornece elementos extremamente ricos para a criação e montagem de espetáculo de dança. Nosso grupo de bailarinos construiu o espetáculo dentro de uma intimidade com os quadros sociais/afetivos da memória de cada bailarino-ator. É que as quadrilhas têm sido, na periferia urbana de Fortaleza, sobretudo um grande manancial de alegria e pujança, como linguagem cênica e musical. O fato de proliferar nas ruas, esquinas e espaços públicos de diversões, em situações brincantes as mais diversas, tem contribuído para a variabilidade dos seus traços culturais. Trabalhar esquadrinhando os saberes cênicos populares, reinventando-os e deixando que se encontrem com a memória emotiva de cada um de nós, assim como com nossos registros do inconsciente, é fundamental. A criação em dança não se dá no vazio e, certamente, calçar-se na ludicidade dos festejos populares e sua liberdade, trouxe vigor e balizou nosso olhar, fertilizando-o. Um imenso desafio.

Sobre os autores: Angelo Mendes Corrêa é mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo(USP), professor e jornalista. Itamar Santos, é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo(USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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