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A coragem de ser bondoso

Num piscar de olhos, chegámos a Bissau. Com bastante tempo de sobra e tendo devorado por completo um guia sobre a Guiné-Bissau,  decidimos fazer um desvio até Quinhamel, por haver lá um restaurante português. Quando chegámos, o estabelecimento estava fechado. Apenas abria aos fins de semana. Contudo, o dono, bastante afável, decidiu cozinhar para nós. Mais tarde, chegaram três senhoras numa carrinha. Todas elas de sangue luso. A Ana e a Patrícia estavam a fazer voluntariado na Guiné-Bissau, numa ONG chamada “ Viver Sem Fronteiras”. A terceira pessoa, representante dessa mesma ONG, teve a amabilidade de nos abrir as portas de sua casa durante alguns dias. Por isso mesmo, terei todo o gosto em vos apresentar mais uma alma caridosa, a Natália. Existem pessoas que nos marcam para uma vida inteira e a Natália foi uma delas. O facto de sublinhar e escrever a negrito o nome desta senhora numa crónica, é para mim um enorme prazer. Passamos uma vida inteira a olhar para o lado e a criticar tudo e todos. E porque não fazer o oposto? Palavras como  “elogio” ou “agradecimento” não existem apenas para constar num dicionário, imóveis.Também existem para as aplicarmos no nosso dia a dia e o preço do seu uso é uma pechincha. Não se paga nem mais um tostão pela sua utilização. Sem nos conhecer de lado algum, a Natália convidou-nos para ficar em sua casa e ajudarmos nos dias seguintes no trabalho de voluntariado. Aceitámos prontamente o convite e sem dúvida que vivemos uns dias recheados de muitas emoções. No dia seguinte, tivemos o primeiro contacto com Bissau.

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Se tivesse de descrever numa só palavra a capital guineense, diria “ desordem”. Ao longo das ruas, o trânsito misturava-se com inúmeras barracas de comerciantes a venderem de tudo à beira da estrada. Durante três dias, visitámos alguns bairros mais pobres da capital, distribuindo material escolar, assim como balões e rebuçados. E mais uma vez, um mero balão era o brotar de um sorriso contagiante nestas crianças. Contudo, fiquei comovido por perceber que a maioria delas nunca tinha tido contacto com um simples rebuçado. Quando dei conta, algumas tinham os rebuçados na boca sem terem tirado o papel. Nem sabiam o que era. Uma realidade bem triste, nos dias que correm. Uns têm tudo e não sabem dar o devido valor, enquanto outros agradecem com sorrisos e abraços o pouco que lhes é oferecido. Sem sombra de dúvida que o colar mais precioso para estas crianças eram os abraços. Aqueles abraços de gratidão enchiam-nos o coração de alegria. Como prometido, no último dia pedalámos até à Praça do Império, onde tínhamos encontro marcado com o Bonifácio. Quando chegámos, lá estava ele à nossa espera. Entregámos as bicicletas e o homem esboçou um sorriso como eu nunca tinha visto. Emocionado, as lágrimas escorriam pelo seu rosto, de alegria. Certamente, uma imagem que nunca mais esquecerei. Mas toda a Guiné-Bissau resume-se a este paradigma de gentileza e hospitalidade. Num país, onde mais de metade da população vive abaixo da linha de pobreza, abrir as portas a dois desconhecidos é sem dúvida um ato de coragem. Uma amabilidade inaudita que nos faz questionar sobre o verdadeiro sentido da vida e como tão egoístas por vezes somos. Sorrisos puros e ingénuos, com uma alegria de viver contagiante. Pessoas que nada têm, ou melhor, têm muito mais do que possamos imaginar.

Possuem o essencial, um coração cheio de amor e bondade. Por isso mesmo, o meu obrigado a este país tão maravilhoso, principalmente ao seu povo, que nos deu uma enorme lição de vida. E agora, sim. Após esta vivência por terras africanas, poderei finalmente dar um título a esta crónica: a coragem de ser bondoso.

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